2024 promete? Finja até conseguir

Hoje eu resgato um tema que abordei 6 meses atrás e que cai como uma luva nesta época em que estamos quase parando para descansar, refletir e planejar. Eu sou apaixonado por psicologia, e trago aqui um dos meus textos favoritos sobre a ciência e a arte de ser antes de ser.

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo a mentira, a enrolação, e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Se você está no corre e quer só o resumo:

  • Fake it until you make it é uma expressão em inglês que remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psicoterapeuta Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real.
  • Para ilustrar este conceito na prática, divido minha experiência. Apesar de soar como falcatrua quando o ouvi pela primeira vez no contexto do meu MBA em Harvard, senti na pele as benesses do fake it until you make it ao me expor além do meu nível de confiança e encarar este tipo de risco. Aos poucos fui ganhando mais e mais segurança na minha habilidade de expor e debater posturas fortes e controversas em sala de aula.
  • Corroborando o fake it until you make it por uma ótica acadêmica, no livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.
  • Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento. 
  • Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos realizou um estudo em que os participantes usavam camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimavam quantas pessoas notaram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, os participantes estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas com estampas vergonhosas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Orgulhoso e temeroso na sala de aula da Harvard Business School

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake it until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo à mentira, à enrolação e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Alguns meses do programa de MBA foram passando, minha ansiedade sobre não dar conta daquela jornada intensa foi diminuindo, e eu fui entendendo na prática o que o fake it until you make it significa. O programa de MBA de Harvard é puxado e 50% da nota de cada disciplina vem da participação em sala de aula. A pressão é enorme porque o sistema de notas é uma curva forçada onde os 10% que apresentam o melhor desempenho tiram a nota 1, os 80% seguintes a nota 2, e os últimos 10% tiram a nota 3. A perspectiva de tirar uma nota 3 apavora os alunos do primeiro ano, especialmente porque alunos que tiram nota 3 em 50% ou mais dos cursos de determinado semestre são convidados a refletirem por um ano sobre seus valores e pontos fortes, o equivalente a uma reprovação de ano. É o sonho virando pesadelo rapidinho na cabeça de quem está maravilhado e assustado com as belezas e rigores da famosa Harvard.

Os americanos aprendem a debater e a falar em público desde pequenos; portanto, para eles é natural. Para os estrangeiros, especialmente nós, brasileiros, que aprendemos inglês depois dos 20 anos de idade, defender ideias e debatê-las em inglês perante uma turma de 90 jovens ambiciosos e sedentos para discordar do seu argumento é um tanto desafiador. A vontade inicial era ficar quieto e só observar, mas seguir assim era garantia de fracasso num curso que tanto sonhei. Então eu tinha que me arriscar, levantar a mão com convicção e expor o que eu faria na posição do protagonista do caso estudado (Harvard ensina 100% do seu currículo de sala de aula através de cases reais, onde os alunos são provocados a se posicionar em relação ao dilema vivido pelos protagonistas; ao longo do MBA de 2 anos, são mais de 500 cases estudados). Os cases, assim como a vida real, são sempre cheios de ambiguidade; não há certo e errado.

O meu nível de segurança em relação à assertividade do meu posicionamento era tipicamente muito baixo; porém, aprendi a me inspirar nos colegas americanos que falavam com tanta convicção. Aos poucos, fui expondo os meus argumentos como se tivesse certeza absoluta do que estava falando. Percebia que, assim, a qualidade das discussões que se seguiam e os feedbacks dos professores em relação ao meu desempenho em sala de aula eram muito melhores. Isso aumentou minha confiança no meu raciocínio e passei a arriscar mais, trazendo pontos de vista mais radicais e provocando discussões mais contraditórias e interessantes. Gradativamente, minha autoconfiança cresceu e eu já não precisava fingir tanto para parecer seguro sobre o que falava. Eu senti na pele o que é o fake it until you make it.

Então eu entendi que o fake it until you make it é frequentemente usado como um lema para motivar pessoas a agirem com confiança, mesmo que não se sintam completamente preparadas ou seguras em determinada situação. Essa abordagem sugere que, ao adotar uma postura confiante, mesmo quando não estamos confiantes internamente, podemos alcançar o sucesso e desenvolver uma autoconfiança genuína ao longo do caminho.

A origem do fake it until you make it remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psiquiatra Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real. De forma prática, é aquele coordenador que já se comporta como se fosse gerente, o gerente que se comporta como diretor, o diretor que se comporta como CEO e dono da empresa. Eu já trabalhei com gerente que se comportava como sócio de fundo de investimento e para mim, sócio na época, foi muito fácil promovê-lo porque era evidente que ele já estava pronto para assumir o novo desafio. Ele havia internalizado que já estava lá e agia e se comunicava como tal. Ele não me tratava como chefe, e sim como par, trazendo sugestões e posturas que desafiavam a liderança e nos levavam a melhores decisões.

Deu tudo certo: concluí o programa sem levar “bombas” relevantes e aprendendo sobre meus pontos fortes

No livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de se afastar de abordagens tradicionais e assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Ibarra argumenta que, em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.

Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento.

O nome spotlight effect é uma metáfora que faz alusão a um holofote ou um refletor de luz, sugerindo que os outros estão focados em nós da mesma forma que uma luz brilhante em um palco. No entanto, na realidade, as pessoas tendem a estar mais envolvidas em seus próprios pensamentos e preocupações, e prestam menos atenção aos detalhes específicos sobre os outros.

Esse fenômeno pode ocorrer em diversas situações, desde eventos sociais até apresentações em público, entrevistas de emprego ou simples interações cotidianas. As pessoas que experimentam o efeito spotlight geralmente têm uma consciência aumentada de si mesmas, preocupando-se excessivamente com sua aparência, comportamento, palavras e ações, muitas vezes temendo serem julgadas ou avaliadas negativamente pelos outros.

É importante notar que o efeito holofote é uma percepção individual e subjetiva, e tipicamente não reflete a realidade. A maioria das pessoas tende a se concentrar mais em si mesmas do que nos outros, o que significa que os supostos erros ou falhas percebidos pelos indivíduos podem passar despercebidos pelos demais.

Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos testou o efeito holofote na prática através de um estudo científico. Gilovich, Medvec e Savitsky (2000) pediram que os participantes do estudo usassem camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimassem quantas pessoas notaram e reconheceram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, eles estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas chamativas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Sou um defensor da autenticidade e da verdade, e sei o quanto a exposição a novos contextos e desafios nos fazem crescer. O fake it until you make it, para mim, se tornou sinônimo de experimentação e exploração de temas novos. Com humildade e autoconhecimento, busco mostrar convicção nas minhas ações e narrativas, ao mesmo tempo que sempre reviso o que de fato está me trazendo crescimento e aprendizado e o que não está me servindo positivamente. Me esforço para não me segurar por medo da opinião alheia, sabendo que só através da tomada de risco é que avançamos em direção à nossa melhor versão.

Alex

Alice perguntou: Gato Cheshire… pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Lewis Carrol

Coragem ou loucura

Obrigado aos leitores que me acompanham nesta jornada. Escrevo com o objetivo de transbordar tudo o que gostaria de comunicar ao mundo através de reflexões leves e despretensiosas sobre o universo que habito.

Naturalmente, isso toca o mundo de venture capital, tech e empreendedorismo. Mas não queria que fosse o relatório de um banco de investimento, ou que focasse apenas no lado técnico desse mundo – já tem muita gente boa abordando esses aspectos. Olhando para dentro e entendendo os assuntos que me provocam e me fazem refletir e que, ao mesmo tempo, me dão prazer em analisar, escrever e compartilhar, o que está faltando nessa agenda é o lado humano da coisa. O comportamento que faz com que o indivíduo largue o caminho seguro para começar algo novo do zero, a determinação para seguir em frente e não desistir, a realização de sonhos, a vida como uma grande aventura. Esse é o lado de “venture” que me fascina. Essa, para mim, é a magia do empreendedorismo: a exploração e a conquista de novos territórios. A inspiração para o nome desta news vem daí :).

Black and White Mountain Wallpapers | Tranquil Mountain Landscapes |  Happywall

Em paralelo e bastante alinhado com tudo isso, a inspiração pulsa por aqui à medida que exploramos e experimentamos uma nova vida em família. Estar longe de casa me faz questionar e enxergar aquilo que a rotina oculta. Por isso a reflexão de hoje vem de uma conversa inspiradora que eu e o amigo Tiago Luz tivemos com o Riq Lima, co-fundador e CEO da Worldpackers. Há 2 semanas lançamos o podcast “Um Impossível por Vez“, seguindo o mantra que rege a vida do Tiago e com o qual eu tanto me identifico. O Riq é o nosso segundo convidado.

Riq, que é economista formado pela USP, largou o mundo de banco de investimento quando estava em plena ascensão profissional para explorar o mundo e a si mesmo. Com 24 anos e a grana curta, ele rodou por dezenas de países com um mochilão nas costas e muita sede por aprendizado, sendo chamado de “louco” pela família e amigos próximos. Apesar de jovem, seu salário na época era maior do que os salários somados dos seus pais, e o caminho para o sucesso tradicional já estava traçado. Só que não. Riq foi corajoso e seguiu em frente, embarcando no caminho do empreendedorismo na sequência e resolvendo um problema que conhecia bem: a busca por experiências autênticas e baratas. Neste ano, a Worldpackers comemora 10 anos e celebra o impacto em mais de 4,5 milhões de usuários cadastrados na plataforma, mais de 75 mil pessoas que estão vivendo experiências únicas neste momento, e uma empresa que respira os valores dos seus fundadores: facilitar a vivência de experiências fora da zona de conforto aos seus usuários enquanto cresce como negócio de forma sustentável, com margens atrativas e boa geração de caixa. Nesta conversa, refletimos sobre a diferença entre coragem e loucura. Foi um papo bem legal.

Refletindo sobre a rodagem até então, as pessoas que mais me inspiram e provocam têm um lado “louco” bastante pronunciado. São os que sabem o que querem, que têm a convicção para dizer não ao caminho batido e perseguir algo novo. Frequentemente quebram a cara, mas são os que têm as melhores histórias para contar. Histórias que manifestam presença, experiência, e autenticidade. Quando estava terminando o primeiro ano do meu MBA em Harvard, o Cesar Carvalho, que estava na minha turma, decidiu “trancar” o tão sonhado MBA para começar o que se transformou na Gympass. Quem larga o MBA de Harvard para empreender, num momento onde existiam poucos fundos e o capital era bastante limitado na América Latina? Só pode ser louco :).

Quer outra história inspiradora? O amigo Guilherme Bonifácio estava terminando a faculdade de Administração na USP e tinha duas escolhas: ou seguia o caminho de consultoria estratégica, onde poderia crescer rápido e ganhar dinheiro, ou se juntava a outros recém formados para ajudar a digitalizar um negócio de entrega de comida que recebia pedidos por fax. Foi chamado de louco por deixar o salário alto e o caminho do “sucesso” e se juntar ao time da DiskCook, que depois virou o iFood. Isso foi só o começo: o Gui ainda empreendeu na Rapiddo e na Mercê do Bairro.

Num outro papo inspirador que tive essa semana, a empreendedora Marina Proença me lembrou que coragem não é o oposto de ter medo. Coragem é reconhecer seus medos e abordá-los de forma racional, sentindo frio na barriga e transpirando a beleza da superação. Pessoalmente, acho que superação é o grande propósito da vida. Hoje melhor do que ontem, e a base de comparação sou eu mesmo.

Infelizmente, nossa sociedade prega a perfeição. Queremos parecer perfeitos em nossas carreiras, vidas pessoais, startups, etc. O custo dessa busca que valoriza o externo é um desalinhamento com o que vem de dentro e que realmente importa. Coragem é olhar para dentro e entender o que valorizamos verdadeiramente, fazendo esses valores manifestarem no mundo externo com autenticidade. Como diz Adam Grant, “autenticidade não se trata de expressar cada opinião que você tem. Trata-se de garantir que o que você diz (e faz) reflita o que você valoriza.”

Olhando para o Brasil, somos o país onde até pouco tempo atrás os melhores talentos sonhavam com o emprego público concursado e estável. Nossas livrarias e bancas de revistas ilustravam apostilas para “gabaritar”os concursos e alcançar a tão sonhada estabilidade. Em minha própria casa, minha mãe já disse algumas vezes “concurso público é que é bom”. Enquanto nos EUA, o que me chamava a atenção durante meus anos de MBA é que qualquer livraria oferecia uma abundância de livros que remetiam à construção de negócios grandes e disruptivos, com uma clara mensagem que demonstrava um dos valores do país: empreendedorismo.

Hoje a cena por aqui mudou muito. Graças ao volume de capital disponível para inovação e os casos de sucesso e liquidez para os empreendedores e investidores, os melhores talentos querem empreender. A maioria quer resolver problemas urgentes e relevantes, como o aquecimento global. Pode parecer controverso, mas é aqui que entra o poder do capitalismo e o valor do venture capital em fomentar a inovação de forma cada vez mais meritocrática.

Finalizando, sou pai da Aisha e do Kai. A Aisha é uma linda menina de 7 anos e na nossa casa incentivamos o máximo de exposição ao mundo e a superação dos medos, o que é particularmente importante para as meninas, que ainda são rotuladas e moldadas para serem sensíveis e perfeitas. Fica a dica deste TED: Teach girls bravery, not perfection.

Obrigado mais uma vez. Fico feliz em receber feedbacks e comentários sobre estas reflexões; fique à vontade para responder este email, comentar abaixo, ou me escrever no alex@letshike.io.

Let’s hike!

Alex

P.S. o trecho abaixo vem do livro The Good Life, que remete ao estudo sobre felicidade conduzido por Harvard há quase um século. Vale a leitura e reflexão, do trecho e do livro :).

“Há esses dois peixinhos nadando juntos, e eles se deparam com um peixe mais velho nadando na direção oposta, que acena para eles e diz: ‘Bom dia, rapazes. Como está a água?’ E os dois peixinhos nadam por um tempo, e então, eventualmente, um deles olha para o outro e pergunta: ‘O que diabos é água?’

Toda cultura, desde a cultura ampla de uma nação até a cultura dentro de uma família, é parcialmente invisível para seus participantes. Existem suposições importantes, julgamentos de valor e práticas que criam a água na qual nadamos sem que percebamos ou concordemos com elas. Simplesmente nos encontramos neste mundo e seguimos em frente. Esses elementos da cultura afetam praticamente tudo em nossas vidas, muitas vezes de maneiras positivas, conectando-nos uns aos outros e criando identidades e significado. Mas há um lado negativo. Às vezes, mensagens e práticas culturais nos direcionam para longe do bem-estar e da felicidade.”

Robert Waldinger, The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness

Jobs to be Done: entendendo a dor do usuário por uma nova ótica

Era fevereiro de 2013 e eu cursava o quarto e último semestre do meu MBA na Harvard Business School quando me deparei com a teoria que mudou minha forma de enxergar e trabalhar com desenvolvimento de produtos. Como parte do curso Building and Sustaining a Successful Enterprise (BSSE), o professor Clayton Christensen nos apresentou a Jobs to be Done, uma ferramenta que nos permite entender exatamente por que estamos “contratando” produtos e serviços. Dos mais de 500 cases e ferramentas de gestão estudados em 2 anos de curso, a Jobs to be Done me marcou profundamente e vale uma revisita a este legado do incrível professor Christensen.

A teoria Jobs to be Done foi desenvolvida inicialmente pelo professor Clayton Christensen da Harvard Business School e seus colegas Scott Cook e Taddy Hall. Christensen é um renomado autor e palestrante na área de inovação e é conhecido por seu trabalho sobre a teoria da inovação disruptiva.

A ideia de Jobs to be Done surgiu quando Christensen e seus colegas estavam estudando por que algumas empresas bem-sucedidas, como a Kodak, fracassaram ao tentar se adaptar às mudanças no mercado e a outras tecnologias emergentes. Eles descobriram que muitas empresas se concentram demais em características e benefícios de produtos e serviços existentes, em vez de se concentrarem nas necessidades fundamentais dos clientes.

A partir dessa pesquisa, Christensen e seus colegas começaram a desenvolver a framework Jobs to be Done, que se concentra em entender os “trabalhos” que os clientes estão tentando realizar em suas vidas e como as empresas podem atender a essas necessidades de forma mais assertiva. A teoria rapidamente ganhou popularidade em muitos setores, incluindo tecnologia, onde é amplamente utilizada para orientar a inovação e o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Importante destacar os aspectos funcionais e emocionais da Jobs to be Done. A dimensão funcional se concentra nas necessidades práticas dos clientes, enquanto a dimensão emocional se concentra nas necessidades mais profundas e subjetivas dos clientes, como suas motivações, sentimentos e desejos.

A dimensão funcional da Jobs to be Done envolve identificar os trabalhos específicos que os clientes estão tentando realizar e os obstáculos que enfrentam ao tentar concluir esses trabalhos. Isso pode incluir coisas como encontrar uma solução para um problema específico, cumprir uma obrigação ou tarefa, ou alcançar um objetivo específico.

Por outro lado, a dimensão emocional da Jobs to be Done envolve compreender as motivações, sentimentos e desejos subjacentes dos clientes. Isso pode incluir coisas como o desejo de se sentir seguro, confortável ou conectado a outras pessoas. Ao entender essas necessidades emocionais, as empresas podem criar soluções que atendam às necessidades profundas e subjetivas dos clientes, criando uma conexão emocional com eles e portanto aumentando sua defensibilidade perante a concorrência.

Para aplicar a ferramenta Jobs to be Done, as empresas precisam entender quais são os trabalhos específicos que seus clientes estão tentando realizar e como seus produtos e serviços podem ajudá-los a realizar esses trabalhos de forma mais eficiente ou eficaz. Isso envolve conversar com os clientes, observá-los usando os produtos e serviços existentes, e analisar os dados para entender o comportamento do cliente.

Por exemplo, o Airbnb entendeu que muitas pessoas procuravam acomodações autênticas e únicas que lhes permitissem vivenciar a cultura local durante suas viagens. Eles projetaram uma plataforma que conecta os viajantes com anfitriões locais que oferecem acomodações únicas e personalizadas em todo o mundo, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. O funcional é encontrar um lugar para dormir enquanto estiver viajando, o emocional é viver experiências surpreendentes e criar memórias únicas, o que poucos hotéis conseguem entregar.

Outro exemplo é a Dropbox, que entendeu que muitas pessoas procuravam uma forma segura e conveniente de acessar e compartilhar arquivos de qualquer lugar e dispositivo. Eles projetaram uma plataforma de armazenamento em nuvem que permite aos usuários sincronizar arquivos em todos os seus dispositivos e compartilhar arquivos facilmente com outras pessoas, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. Neste caso, o aspecto funcional é muito mais relevante do que o emocional, no entanto oferecer uma experiência fácil, simples e esteticamente elegante contribui para encantar o usuário no aspecto emocional.

Aqui no Brasil, gosto sempre de lembrar do exemplo do iFood, onde trabalhei como estrategista. No aspecto funcional, o óbvio é que o iFood é contratado para saciar a fome. Porém, e mais importante, descobrimos que (emocionalmente) o iFood é contratado para realizar o trabalho de permitir mais tempo ao usuário, evitando que ele tenha que sair de casa ou preparar alimentos em sua cozinha, o que resulta em mais tempo de qualidade em relacionamentos afetivos. O funcional é tipicamente mais fácil de ser substituído (ex. um lanche improvisado, uma ida a padaria da esquina, comida congelada), porém o emocional costuma trazer vantagens mais duradouras, especialmente se combinado a uma ótima experiência do usuário. Como saciar a fome e precisar de mais tempo de qualidade com pessoas queridas são necessidades recorrentes, temos aqui um modelo de negócios maravilhoso.

Para os interessados, vale a leitura dos artigos e livros do professor Christensen, especialmente o artigo “Know your customer’s Jobs to be Done” e o livro “The Innovators Dilemma“. Mais importante do que isso, reflita profundamente sobre o que você e sua empresa estão fazendo e responda: para qual trabalho estão sendo contratados?

Não sabe contar sua história? Então você não tem uma estratégia

A arte de articular seu passado, presente e futuro de forma coerente, ambiciosa e inspiradora é crítica para orientar o foco e energia no que, de fato, fará esta história se realizar. Desde sempre a raça humana conta histórias para dar sentido a sua existência, para explicar o inexplicável e organizar a complexidade do mundo e da vida de forma clara, interessante e, quase sempre, carregada de emoção. Como então usar o storytelling para amarrar a sua própria narrativa com autenticidade e desenhar uma estratégia pessoal projetando o melhor que você pode ser?

Como não lembrar das fábulas contadas quando criança, dos filmes que marcaram época, de novelas de sucesso ou de propagandas emocionantes? A dinâmica narrativa está no DNA da comunicação humana e, desde as primeiras pinturas rupestres, contar histórias tem sido um dos nossos métodos de comunicação mais importantes. Todos nos lembramos e gostamos de uma boa história, seja um romance, um livro ou simplesmente uma novidade que um amigo está nos contando. Pensamos em narrativas durante todo o dia e consciente ou inconscientemente formamos histórias para cada ação e conversa, sendo que 65% de nossas conversas são formadas por histórias.

Jonathan Gottschall, em seu livro The storytelling animal — how stories make us human, reforça a ideia da universalidade da presença das histórias na espécie humana. Segundo o autor, somos uma espécie completamente atrelada a um mundo cheio de contos, e não só durante a infância. E por que histórias são um objeto tão fascinante para a imaginação humana? Por que o formato de uma história, onde se desenrolam os acontecimentos, um após o outro têm um impacto tão profundo em nossa aprendizagem?

A resposta basicamente está no fato de estarmos ligados através das histórias. Histórias naturalmente educam, alertam e influenciam quem as ouve. Aquilo que nos é contado desde a infância torna-se parte do que somos como pessoas. Histórias engajam e geram emoções e conexões em níveis intangíveis que nem sempre conscientemente compreendemos. Histórias são capazes de gerar empatia. Cientificamente, não são apenas as partes de processamento de linguagem em nosso cérebro que são ativadas, mas toda a área de nosso cérebro, fazendo com que entremos em modo de atenção plena.

E é com este poder de alcance e influência, que o storytelling passa a ser uma ferramenta importante não só para negócios, mas para a definição de sua identidade pessoal e profissional. Por definição, storytelling é a arte de contar histórias e consiste em uma maneira de utilizar narrativas para compartilhar informações, conhecimentos e experiências. Empresas vêm utilizando esta ferramenta para vender serviços e produtos. Elas exploram emoções universais como o casamento ou nascimento de um filho e, ao contar histórias tão pessoais, íntimas e únicas (e igualmente tão comuns ao público), um diálogo singular é formado entre os produtos e serviços da marca e seus potenciais consumidores. No ambiente corporativo, o storytelling ajuda a conectar pessoas, alimentar a criatividade, inspirar, engajar e mobilizar equipes, aumentando a capacidade de um time de se apropriar dos objetivos estratégicos da empresa. A própria definição e comunicação destes objetivos estratégicos deve fazer parte de uma boa história: começamos com A, desenvolvemos B, aprendemos C e por isso nossa estratégia é crescer com D.

Da mesma forma, o uso da narrativa auxilia pessoas a ilustrarem sua trajetória e a construírem sua estratégia pessoal. Quem é você? O que você fez, faz e quer fazer? Quais os momentos mais definidores da sua história, aqueles que moldaram sua forma de entender o mundo e o seu papel nele? Levando em consideração toda a sua vivência pessoal e profissional, pontos fortes e fracos e aspirações, qual sua estratégia de carreira e de vida? Qual sua missão, onde você quer estar em cinco e dez anos e quais decisões e investimentos deve fazer agora para que isso aconteça? Ao descobrir e estruturar sua própria história, você passa a alcançar e se conectar a audiência de forma mais significativa e profunda. Uma boa história capta a atenção, relaciona eventos formando uma ideia completa e deixando uma impressão duradoura ao fim. Para tanto, o processo de estruturação de sua história deve iniciar com uma autorreflexão. É imprescindível que você tenha este momento de introspecção e percorra o seu passado, identificando seus pontos fortes e fracos e os momentos da sua vida que influenciaram o que você é hoje. O que te inspirou a buscar por esta carreira? Que evento determinou uma mudança de planos? Quais valores e princípios norteiam suas decisões?

Como ouvintes, gostamos de entender o porquê de alguém estar fazendo algo. Com uma história bem articulada, você supre a necessidade do elemento humano nas relações interpessoais de entender de onde você vem, o que determinou o que você é hoje, no que você acredita e no que você luta contra. Toda história deve ter um início que desperte o interesse, uma continuação que segure a atenção com elementos de suspense e questionamento e um fim que deixe uma percepção positiva. Sua história deve ser marcada por um desafio e uma escolha a ser feita, por suas ações e no que tudo isto resultou. Ao transmitir estes elementos e comunicar sua trajetória de uma maneira autêntica, você estabelece uma conexão emocional e ganha a confiança do seu público, facilitando o trabalho de persuasão e garantindo que sua identidade seja percebida de forma autêntica e marcante.

O storytelling é sobre encontrar formas de integrar história, valores e público em uma narrativa convincente e apaixonante. Você é o personagem da sua história e é hora de desenvolvê-la e comunicá-la de forma impactante e autêntica. Afinal, nós somos as histórias que contamos. E entãoqual história você contará aos seus netos?

Artigo originalmente escrito por Alex Anton e Francine Zucco e publicado na Harvard Business Review Brasil em 2016.