Não sabe contar sua história? Então você não tem uma estratégia

A arte de articular seu passado, presente e futuro de forma coerente, ambiciosa e inspiradora é crítica para orientar o foco e energia no que, de fato, fará esta história se realizar. Desde sempre a raça humana conta histórias para dar sentido a sua existência, para explicar o inexplicável e organizar a complexidade do mundo e da vida de forma clara, interessante e, quase sempre, carregada de emoção. Como então usar o storytelling para amarrar a sua própria narrativa com autenticidade e desenhar uma estratégia pessoal projetando o melhor que você pode ser?

Como não lembrar das fábulas contadas quando criança, dos filmes que marcaram época, de novelas de sucesso ou de propagandas emocionantes? A dinâmica narrativa está no DNA da comunicação humana e, desde as primeiras pinturas rupestres, contar histórias tem sido um dos nossos métodos de comunicação mais importantes. Todos nos lembramos e gostamos de uma boa história, seja um romance, um livro ou simplesmente uma novidade que um amigo está nos contando. Pensamos em narrativas durante todo o dia e consciente ou inconscientemente formamos histórias para cada ação e conversa, sendo que 65% de nossas conversas são formadas por histórias.

Jonathan Gottschall, em seu livro The storytelling animal — how stories make us human, reforça a ideia da universalidade da presença das histórias na espécie humana. Segundo o autor, somos uma espécie completamente atrelada a um mundo cheio de contos, e não só durante a infância. E por que histórias são um objeto tão fascinante para a imaginação humana? Por que o formato de uma história, onde se desenrolam os acontecimentos, um após o outro têm um impacto tão profundo em nossa aprendizagem?

A resposta basicamente está no fato de estarmos ligados através das histórias. Histórias naturalmente educam, alertam e influenciam quem as ouve. Aquilo que nos é contado desde a infância torna-se parte do que somos como pessoas. Histórias engajam e geram emoções e conexões em níveis intangíveis que nem sempre conscientemente compreendemos. Histórias são capazes de gerar empatia. Cientificamente, não são apenas as partes de processamento de linguagem em nosso cérebro que são ativadas, mas toda a área de nosso cérebro, fazendo com que entremos em modo de atenção plena.

E é com este poder de alcance e influência, que o storytelling passa a ser uma ferramenta importante não só para negócios, mas para a definição de sua identidade pessoal e profissional. Por definição, storytelling é a arte de contar histórias e consiste em uma maneira de utilizar narrativas para compartilhar informações, conhecimentos e experiências. Empresas vêm utilizando esta ferramenta para vender serviços e produtos. Elas exploram emoções universais como o casamento ou nascimento de um filho e, ao contar histórias tão pessoais, íntimas e únicas (e igualmente tão comuns ao público), um diálogo singular é formado entre os produtos e serviços da marca e seus potenciais consumidores. No ambiente corporativo, o storytelling ajuda a conectar pessoas, alimentar a criatividade, inspirar, engajar e mobilizar equipes, aumentando a capacidade de um time de se apropriar dos objetivos estratégicos da empresa. A própria definição e comunicação destes objetivos estratégicos deve fazer parte de uma boa história: começamos com A, desenvolvemos B, aprendemos C e por isso nossa estratégia é crescer com D.

Da mesma forma, o uso da narrativa auxilia pessoas a ilustrarem sua trajetória e a construírem sua estratégia pessoal. Quem é você? O que você fez, faz e quer fazer? Quais os momentos mais definidores da sua história, aqueles que moldaram sua forma de entender o mundo e o seu papel nele? Levando em consideração toda a sua vivência pessoal e profissional, pontos fortes e fracos e aspirações, qual sua estratégia de carreira e de vida? Qual sua missão, onde você quer estar em cinco e dez anos e quais decisões e investimentos deve fazer agora para que isso aconteça? Ao descobrir e estruturar sua própria história, você passa a alcançar e se conectar a audiência de forma mais significativa e profunda. Uma boa história capta a atenção, relaciona eventos formando uma ideia completa e deixando uma impressão duradoura ao fim. Para tanto, o processo de estruturação de sua história deve iniciar com uma autorreflexão. É imprescindível que você tenha este momento de introspecção e percorra o seu passado, identificando seus pontos fortes e fracos e os momentos da sua vida que influenciaram o que você é hoje. O que te inspirou a buscar por esta carreira? Que evento determinou uma mudança de planos? Quais valores e princípios norteiam suas decisões?

Como ouvintes, gostamos de entender o porquê de alguém estar fazendo algo. Com uma história bem articulada, você supre a necessidade do elemento humano nas relações interpessoais de entender de onde você vem, o que determinou o que você é hoje, no que você acredita e no que você luta contra. Toda história deve ter um início que desperte o interesse, uma continuação que segure a atenção com elementos de suspense e questionamento e um fim que deixe uma percepção positiva. Sua história deve ser marcada por um desafio e uma escolha a ser feita, por suas ações e no que tudo isto resultou. Ao transmitir estes elementos e comunicar sua trajetória de uma maneira autêntica, você estabelece uma conexão emocional e ganha a confiança do seu público, facilitando o trabalho de persuasão e garantindo que sua identidade seja percebida de forma autêntica e marcante.

O storytelling é sobre encontrar formas de integrar história, valores e público em uma narrativa convincente e apaixonante. Você é o personagem da sua história e é hora de desenvolvê-la e comunicá-la de forma impactante e autêntica. Afinal, nós somos as histórias que contamos. E entãoqual história você contará aos seus netos?

Artigo originalmente escrito por Alex Anton e Francine Zucco e publicado na Harvard Business Review Brasil em 2016.

Mais uma vez: Propósito, o “como” e “por que” que impactam sua empresa, carreira e vida

Falta de tempo, rotina, instabilidade financeira, pressão no trabalho. Ter uma carreira ascendente e gratificante, presença com qualidade na vida familiar, envolvimento comunitário significativo e satisfação pessoal parece cada vez mais inatingível. Mas o que norteia todas estas variáveis? O que de fato buscamos? Como ter energia para tudo isso, que acontece ao mesmo tempo para a mesma pessoa?

A resposta: propósito. No dicionário, propósito aparece como tomada de decisão, aquilo que se pretende alcançar ou realizar. De acordo com Peter Senge, autor do livro “A Quinta Disciplina”, enquanto visão é um destino específico, propósito é similar à direção que tomamos. A noção de propósito captura a intenção e o esforço que indivíduos fazem para alcançar seus objetivos. Propósito é a sua marca pessoal, aquilo que faz brilhar os olhos. Não é o que você faz, mas sim como e por que.

A palavra é atualmente um hot topic, como aponta o Google trends. Nos últimos 19 anos, o interesse pela palavra cresceu aproximadamente 4X.

Interesse pela palavra “purpose”, em todo o mundo, de acordo com o Google Trends

Já um estudo conduzido pela Ernst & Young e Universidade de Oxford aponta que o debate público acerca de propósito cresceu cinco vezes entre 1995 e 2014. De acordo com Neal Chalofsky and Liz Cavallaro em seu artigo “A Good Living Versus A Good Life: Meaning, Purpose, and HRD” (2013), este maior interesse vem dos questionamentos de baby boomers quanto às longas jornadas de trabalho e hoje consolidado pela procura da Geração Y por maior equilíbrio na vida pessoal e impacto profissional. Nossas percepções e motivações estão mudando e os autores acreditam em uma nova forma de ver qualidade de vida e satisfação. Não é mais apenas como administramos o trabalho versus o resto de nossas vidas. É um quebra-cabeça com vários aspectos relevantes e que mudam ao longo da vida — família, amigos, vida pessoal, comunidade, trabalho, lazer e espiritualidade.

Além disso, enxergo claramente o crescimento do vazio existencial coletivo com a decadência das comunidades e práticas religiosas no mundo ocidental e a ascensão das redes sociais, que nos provocam múltiplas vezes ao dia com comparações rasas e irreais. As religiões sempre seguiram de compasso para as pessoas, e para minha avó materna, que era extremamente católica, seu propósito era seguir os mandamentos da igreja, cultivando fé e espiritualidade (que vêm de dentro para fora) e acreditando que assim terminaria bem no paraíso. A geração da minha mãe e a minha, no entanto, já não tem a mesma fé, e o buraco da religião foi tapado com a busca pelo material e extrínsico (ex. reconhecimento profissional e dopamina constante).

Para a empresa: Investimento que vale a pena

A maioria das empresas apresenta missão e visão bem estabelecidas e divulgadas, mas poucas tem ou propriamente comunicam seu propósito ou razão de existir. No entanto, consumidores, mais empoderados e informados no processo decisório por uma marca, buscam organizações com valores alinhados. Isto desafia as empresas a repensarem sua identidade e modus operandi para se manterem competitivas no mercado e atraentes para seus funcionários. E operar baseado em valores e propósito autênticos e compartilhados claramente reflete no desempenho da empresa. Por exemplo, empresas com um senso de propósito bem definido, mensurado em termos de impacto social e não só em lucro, performaram 14 vezes melhor no índice S&P 500 — índice de ações comercializadas na NASDAQ ou NYSE — entre 1998 e 2013. Ainda, organizações com propósito claro apresentam maior retenção, tanto de consumidores (75%), quanto de funcionários (quatro vezes mais).

Propósito é simplesmente a razão pela qual uma organização faz o que faz. Ele deve nortear os processos decisórios, desde contratações, ações de responsabilidade social, até decisões de investimento. Seja desenvolver uma comunidade local, revolucionar o modo com que consumidores compram produtos ou adquirem serviços, propósito é, ou deveria ser, o que move as grandes empresas globais.

Para a carreira: por que você empreende ou trabalha?

Ter um propósito é também essencial para navegar a complexidade, volatilidade e ambiguidade em que vivemos hoje; um contexto em que estratégias mudam rapidamente e nem sempre há respostas certas ou erradas. Uma pesquisa com 474 executivos mostra que 90% deles reconhece a importância de ter objetivos e motivações bem definidas para inspirar e gerar resultados. No entanto, menos de 20% de líderes corporativos tem um propósito individual claro e poucos deles conseguem defini-lo concretamente em uma frase.

E de que forma vemos o trabalho? De acordo com Dan Pontefract, autor do livro “the Purpose Effect: Building Meaning in Yourself, Your Role, and Your Organization”, há três formas. A primeira é a orientação por retorno financeiro em que você trabalha para receber um salário e nada mais. Já a segunda é a mentalidade de carreira, orientada pelo crescimento na posição, responsabilidades, influência ou salário. Finalmente, a terceira é a mentalidade norteada por propósito, de se sentir motivado, realizado e fazendo algo que contribua para a organização da qual faz parte. Aqui, a energia se renova e é onde encontramos o flow, estado em que nos concentramos ativamente numa tarefa e alcançamos estados de satisfação profunda.

O aspecto financeiro é inevitavelmente relevante, porém trabalho deve ir além disso. Passamos a maior parte do nosso dia (e de nossas vidas) trabalhando e precisamos encontrar satisfação, inspiração e sentido no que fazemos. Pare um pouco para analisar como você encara o trabalho no dia-a-dia. Se a mentalidade financeira e de crescimento ocupam mais de 50% do seu tempo, é hora de (re)defenir o seu propósito pessoal e profissional.

Para você: Sentido e qualidade de vida

A busca por propósito é inevitavelmente um processo natural e complexo. É o que traz sentido às nossas vidas; é o que nos faz levantar todos os dias animados para correr atrás de nossos objetivos e para deixar nossa marca no mundo.

No livro “Como avaliar sua vida?”, meu ex-professor e autor Clayton Christensen afirma que ter um senso claro de propósito está diretamente relacionado com nossa felicidade pessoal. Sem motivações bem definidas, desperdiçamos nossa energia e recursos naquilo que talvez satisfaça objetivos de curto prazo, mas que não comunica com o que de fato nos importa e agrega valor. Um forte senso de propósito deve permear nossas decisões consistentemente para conseguirmos gerar valor e impacto.

De acordo com Strecher, autor do livro “Life on Purpose”, a força de um propósito de vida pode ser mensurada e envolve viver em consonância com nossos valores e objetivos, e com a vontade de deixar uma marca positiva no mundo. Pesquisas também apontam uma correlação direta entre propósito, bem estar psicológico e uma vida mais saudável. Em estudo de 2014 de Patrick L. Hill e Nicholas A. Turiano, indivíduos com propósito e sentido claros apresentaram uma longevidade significativamente maior. Ter este direcionamento reduz em até 20% o risco de infarto, AVC e doenças cardiacas, além de aumentar a resiliência cerebral em doenças como o Alzheimer.

É interessante também notar que propósito não é um artigo de luxo restrito a poucas pessoas. É uma habilidade psicológica que pode ser cultivada independentemente do grau de escolaridade ou outras condições, conforme demonstra pesquisa conduzida na Universidade de Cornell.

Definindo seu propósito e o colocando em ação

Propósito não é algo imposto, com que você simplesmente se depara ou uma visão que cruza sua mente. Também não é uma fonte única de inspiração ou algo imutável. Propósito se constrói e muda ao longo do tempo. É algo específico, pessoal e que comunica com você e apenas você.

Fácil? Com certeza não! Definir um propósito requer autoconhecimento e tempo. Abaixo, seis questionamentos para o processo de reflexão.

1. O que torna você único? O que você faz que te diferencia de outros? Qual é a sua marca?

2. O que é importante para você? O que te faz levantar animado no dia-a-dia?

3. Qual é a sua visão de carreira e de vida? Que histórias quer contar para seus netos? Qual marca você quer deixar no mundo?

4. Analisando sua trajetória, você enxerga um padrão ou tema comum que permeia suas decisões?

5. Quais experiências que te desafiaram e fizeram com que você se sentisse inspirado e fazendo algo relevante?

6. Se dinheiro não fosse importante em sua vida, o que você faria no próximo ano? E nos próximos 5 e 10 anos?

O rascunho das respostas dessas perguntas — rascunho porque elas nunca são respondidas finalmente, já que estamos sempre evoluindo e esclarecendo nossa relação como nossos valores e identidades — oferece um bom panorama sobre quem você é de verdade, longe dos padrões mais convencionais de sucesso.

Se o seu propósito ainda não está claro, não desista e continue a construi-lo. O importante é colocar em ação o que você acredita hoje, seguindo as suas motivações: articular e viver o seu propósito para uma vida com sentido e impacto.

Artigo escrito por Francine Zucco e Alex Anton