Reuniões de conselho e 3 livros

Correria boa por aqui. Como já mencionei no passado, escrita para mim é terapia, então voltemos ao divã compartilhando conhecimento que pode ser relevante para mais gente.

Dois acontecimentos recentes da minha vida profissional trazem as reflexões desta edição: (1) me juntei ao conselho da Tupi, uma startup investida pela gigante Raizen Power que foca em facilitar a transição energética nas estradas, por isso trago uma estrutura objetiva e funcional sobre como tocar reuniões de conselho de forma produtiva; (2) colocamos para rodar a primeira turma do programa Expansão de Negócios, realizado junto ao G4 e encabeçado pelo brilhante Paulo Guedes. Foi uma honra ter desenhado e entregue este primeiro programa com o Paulo e o Phillip Trauer (investidor de VC que eu admiro), além da equipe energizada e competente do G4. Entre tantas lições práticas compartilhadas, o Paulo recomendou 3 livros que impactaram sua jornada com empreendedor. É conhecimento muito valioso para não ser compartilhado :).

Da esquerda para à direita: eu, Julian Tonioli, Paulo Guedes e Phillip Trauer nos bastidores, antes de iniciarmos a sessão da tarde do segundo dia da nossa formação

Sobre reuniões de conselho

Elas são uma oportunidade única para a equipe de liderança receber uma perspectiva independente e crítica sobre o negócio. Um bom conselho faz as perguntas certas e traz transparência e “accountability” aos responsáveis pelos grandes projetos. Já estive em ambos os lados dessa mesa, tanto como operador no iFood quanto como conselheiro, e sei o impacto transformador que esse ritual pode ter.

No entanto, é triste ver que muitas reuniões de conselho se tornam apenas sessões de relatórios, desperdiçando uma oportunidade de ouro para discutir e alinhar questões estratégicas. A chave está em planejar essas reuniões de forma eficaz.

Segue aqui uma sugestão de como aproveitá-las ao máximo:

1. Material de Leitura Prévia (Pre-read): Envie um resumo prévio para que todos cheguem à reunião com uma compreensão clara dos assuntos importantes. Isso deve ser enviado com pelo menos 2-3 dias de antecedência. O que incluir:

– Atualização de Vendas: Pipeline, estado das contas principais e projeções para os próximos 3-6 meses. Isso dá uma visão clara de onde estamos e para onde estamos indo.

– Atualização de Tecnologia: Principais prioridades e lançamentos esperados nos próximos meses. Aqui, destacamos como a tecnologia está impulsionando nossa estratégia.

– Atualização Financeira: Demonstração de resultados, balanço patrimonial e previsão de caixa para os próximos 12 meses. Isso é crucial, especialmente em momentos de incerteza no mercado de capitais.

– Atualização de Pessoas: Contratações recentes, posições-chave a serem preenchidas e quaisquer saídas significativas. O talento é o coração de qualquer organização.

– Principais Preocupações do CEO: Liste os 1-2 pontos que mais preocupam a liderança. Estes são os pontos que precisam de atenção urgente, pois podem impactar a estratégia da empresa. Pode ser relacionado ao product-market fit, desafios de crescimento, gargalos operacionais, necessidades de capital, movimentos da concorrência, etc.

2. Revisão do Pre-read: Durante uma reunião mensal ou bimestral de 2 horas, reserve 30-60 minutos para discutir o material de leitura prévia. Esse tempo deve ser utilizado para discussão, não para apresentação. Assuma que todos já leram o material, o que facilita uma conversa mais produtiva.

3. Tópicos Estratégicos: Use o tempo restante para discutir 1-2 tópicos estratégicos que estão tirando seu sono. Esse é o momento de aproveitar ao máximo o conhecimento e a experiência dos conselheiros, obtendo feedback valioso e novas perspectivas.

4. Participação da Equipe de Liderança: Convide os principais membros da sua equipe de liderança para partes específicas da reunião. Eles devem estar presentes durante a revisão do pre-read e nas discussões sobre os tópicos estratégicos. Isso permite uma troca mais rica e direta com o conselho.

5. Sessão Exclusiva do CEO: Recomendo que o CEO inicie e finalize a reunião com uma sessão exclusiva com o conselho. No início, é o momento de alinhar expectativas e destacar onde mais precisa de suporte. No final, é a oportunidade de receber feedback sobre a reunião e identificar pontos que precisam de maior atenção.

Dica Final: Deixe o ego de lado. Esteja aberto para ouvir, ser desafiado e, ao mesmo tempo, educar o conselho sobre as nuances do negócio. Embora tenham muita experiência, eles podem não conhecer tão bem o seu negócio quanto você.

3 livros indicados por Paulo

O programa Expansão de Negócios foi desenhado para ajudar empresários a refletirem e estruturarem a próxima fase de crescimento de seus negócios. Eu trouxe muita coisa que vivenciei na McKinsey, iFood e como investidor e conselheiro de startups que decolaram, quebraram, se fundiram, compraram negócios menores e, eventualmente, foram adquiridas por gigantes. O Phillip trouxe sua experiência como investidor em empresas incríveis como Buser, Merama e Loft. Já o Paulo Guedes compartilhou sua visão e experiência prática como fundador e conselheiro de grandes empresas, como BTG Pactual, Abril Educação e Crescera. Além de ser um grande economista e empreendedor, Paulo é uma pessoa incrível, com uma energia contagiante e uma paixão evidente em ajudar o Brasil e os brasileiros a prosperarem. Entre tantos cases e lições práticas apresentados, Paulo recomendou 3 livros que mudaram sua forma de pensar e executar na jornada de criação de grandes negócios. São eles:

  1. Feitas para Durar: Práticas Bem-sucedidas de Empresas Visionárias, de Jim Collins: O livro entra nos “porquês” do sucesso duradouro de empresas visionárias e duradouras, mostrando que um líder carismático não é a salvação e que é preciso ter ideologia, saber selecionar as pessoas certas, valorizá-las, treiná-las e que o lucro não deve ser o norte principal.
  2. Estratégia Competitiva, de Michael Porter: Um clássico. É essencial estudar sua indústria, ganhar clareza sobre seu posicionamento e reforçar suas vantagens competitivas. Esse livro é uma obra prima dos estudiosos e práticos de estratégia. Aqui, Michael Porter, uma das lendas vivas da Harvard Business School, apresenta as diferentes forças competitivas que afetam um negócio, bem como possíveis estratégias para competir, penetrar e abandonar mercados, além de identificar oportunidades.

    Porter ajudou a abrir os olhos das empresas para as forças competitivas que nem sempre aparecem em seu radar, como novos entrantes e produtos substitutos. Além disso, ele mostra como o poder de barganha de poucos fornecedores ou de muitos clientes podem espremer as margens de um negócio mal posicionado.

    Em resumo, Porter fornece uma estrutura sólida para entender a concorrência e desenhar um plano claro sobre como ganhar o jogo. O sucesso a longo prazo não vem de seguir tendências, mas de entender profundamente as forças que moldam a concorrência – as regras do jogo – e de posicionar a empresa para tirar proveito dessas forças.
  3. Decisão! Como Grandes Líderes Fazem Escolhas, de Noel Tichy: A ideia do livro é que a capacidade de tomar decisões acertadas nos momentos críticos é o que separa os grandes líderes dos demais. Tichy mostra como a capacidade de ler o ambiente e tomar boas decisões é a chave para ser um líder de impacto, seja ao escolher as pessoas certas, definir estratégias ou enfrentar crises.

Nas palavras de Guedes, “esses autores são os melhores do mundo em suas áreas, e esses livros representam o trabalho de uma vida. Vejam que maravilhoso, temos acesso a um conhecimento incrível por um custo muito baixo, que é o preço de um livro”. O duro é que numa sociedade que busca gratificação imediata, sentar e ler textos longos virou um desafio e uma raridade.

Às vezes, parar para estudar e aprender com os melhores nos economiza anos de experiências frustradas de tentativas e erros. Dá para chamar de investimento estratégico, aquele que você sai do modus operandi do dia-a-dia e investe seu recurso mais valioso (tempo) naquilo que não trará retorno imediato.

Em frente, bora construir!

Alex


Você não precisa de mais intensidade; você precisa de mais consistência. A intensidade impressiona; a consistência transforma.

PS.: não sei quem é autor desta frase, mas li em algum lugar e achei válido e relevante, por isso compartilho :).

iFood: dilemas estratégicos e bate-papo com seu co-fundador

Conheci o iFood em 2015 quando me juntei à Movile e o iFood era a empresa mais promissora do portfólio. Rapidamente me apaixonei pela companhia: dinâmica, divertida, jovem, ambiciosa e muito mão na massa. Lembro que a principal mesa de reunião também servia como mesa de pingue-pongue; não porque era cool, mas para aumentar a eficiência dos recursos, um valor com o qual também me identifiquei rapidamente. Em 2017 me juntei ao time de liderança da empresa e vivi uma das minhas experiências profissionais mais marcantes. Foi uma jornada e tanto. Além dos aprendizados profissionais e lições práticas em estratégia, ficaram amizades que perduram, e na edição de hoje eu trago estes dois elementos: uma pincelada nos dilemas estratégicos vividos pelo iFood em 2018/19 e uma conversa com um dos seus co-fundadores, o Guilherme Bonifácio.

Falando sobre estratégia para o encontro anual da empresa, em 2018
  1. Strategie

Em um mercado em constante transformação, a tomada de decisões estratégicas é crucial para o sucesso de qualquer empresa. No caso do iFood, a decisão de investir em logística própria, em um momento em que o modelo de marketplace era lucrativo e dominante, foi um divisor de águas na história da empresa. Eu fui estrategista chefe do iFood de 2017 a 2019, um período de muita mudança no mercado de delivery no Brasil e também de muita transformação dentro da companhia.

O contexto:

Em 2017, o iFood era líder no mercado brasileiro de delivery, operando sob o modelo de marketplace. Esse modelo era simples, lucrativo e exigia investimentos principalmente em marketing e comercial.

O desafio:

A chegada de novos players, como Rappi e UberEats, com o modelo de entrega própria, representou uma séria ameaça ao iFood. Esse modelo oferecia maior conveniência aos usuários e atraía restaurantes que antes não operavam delivery.

A decisão:

Diante do dilema, o iFood optou por investir na construção de sua própria malha logística. Uma decisão difícil e arriscada, que demandaria altos investimentos e enfrentaria desafios operacionais complexos.

A jornada:

Para aprofundar o conhecimento sobre o modelo de logística própria, eu e outros líderes do iFood viajamos para países como Índia, China, Canadá e Reino Unido. O objetivo era entender com empresas que já dominavam esse modelo funcionavam e acelerar o processo de aprendizado do iFood.

O resultado:

A decisão estratégica se mostrou acertada. Hoje, cerca de 40% dos pedidos do iFood são entregues por sua própria malha logística, tornando-se um dos principais ativos da empresa.

Lições aprendidas:

  • A estratégia exige análise profunda do contexto e a capacidade de tomar decisões que podem sacrificar o curto prazo em prol do futuro.
  • Investir no desenvolvimento de novas capacidades, mesmo que complexas e custosas, pode ser crucial para se manter competitivo em um mercado em constante mudança.
  • A busca por conhecimento e aprendizado com empresas referência em outros mercados é essencial para acelerar o processo de inovação e adaptação.

Reflexões:

O caso do iFood ilustra como a estratégia é fundamental para navegar em um ambiente de negócios dinâmico e competitivo. A capacidade de tomar decisões difíceis, focar no longo prazo e investir em inovação são elementos essenciais para o sucesso.

Para além do caso específico do iFood, algumas reflexões adicionais podem ser feitas:

  • Qual o papel da estratégia em um mundo cada vez mais VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo)?
  • Como as empresas podem desenvolver a capacidade de se adaptar rapidamente a mudanças no mercado?

O caso do iFood, em que optamos por investir em logística própria para manter a competitividade, é um exemplo notável de como a estratégia pode ser utilizada para criar valor a longo prazo.

Outros cases de empresas que usaram a estratégia a seu favor:

  • Netflix: A empresa abandonou o modelo de aluguel de DVDs pelo correio e focou no streaming de filmes e séries, tornando-se líder global no segmento.
  • Amazon: Começou como livraria online e se diversificou para se tornar um marketplace gigante, oferecendo uma ampla variedade de produtos e serviços.
  • Apple: Saiu do mercado de computadores pessoais para se concentrar em smartphones, tablets e outros dispositivos móveis, tornando-se uma das empresas mais valiosas do mundo.
  • Starbucks: Transformou simples cafeterias em espaços aconchegantes para socialização, criando uma experiência única para seus clientes.
  • Lego: Deixou de ser apenas um fabricante de blocos de montar para se tornar uma empresa de entretenimento, com filmes, videogames e parques temáticos.

Em todos esses casos, as empresas foram capazes de identificar mudanças no mercado e tomar decisões estratégicas para se adaptar e prosperar. Essas decisões não eram óbvias no momento em que foram tomadas, porém arriscar faz parte da arte de se manter relevante e antecipar mudanças.

  1. Um papo com Guilherme Bonifacio: co-fundador do iFood, empreendedor serial, investidor, líder inspirador

No nono episódio do podcast “Um Impossível por Vez“, mergulhamos na trajetória inspiradora de Guilherme Bonifacio, co-fundador de empresas como iFood, ChefTime, Rapiddo e Mercê do Bairro, além de ser um investidor anjo em diversas startups promissoras no Brasil.

Nascido em uma família de funcionários públicos, Guilherme sempre teve a educação como um pilar essencial em seus valores familiares. Desde cedo, ganhou independência e se tornou referência para seus irmãos. Sua jornada empreendedora começou em Palmas, no recém-criado estado do Tocantins, onde testemunhou o surgimento de diversos empreendimentos. Com a decisão de estudar Economia na USP, sua primeira experiência em São Paulo o encantou com a energia vibrante da cidade, repleta de desafios e oportunidades.

No ambiente acadêmico, cercado por mentes brilhantes, Guilherme participou da empresa júnior e, movido pela curiosidade prática, após a graduação se juntou à pequena e desconhecida DiskCook com três amigos, empresa que foi posteriormente digitalizada como iFood. Os altos e baixos dessa jornada empreendedora são contados com carinho, destacando o dilema da inovação e a transformação da DiskCook em um marketplace online.

Guilherme compartilha sua experiência com a entrada da Movile como investidora, elevando o iFood a novos patamares de gestão, disciplina e ambição para criar um negócio bilionário. Sua visão sobre liderança como doação e aprendizado constante é inspiradora: “É ótimo ter um time brilhante, melhor do que você em diversos aspectos, para que você continue aprendendo sempre”.

O empresário brasileiro que realizou três “exits” em seis meses revela os desafios, demissões e incertezas que permeiam a vida de qualquer empreendedor. Guilherme destaca a diferença entre sucesso e felicidade, inspirado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé: “Felicidade é saber perdoar, o outro e a si próprio”.

Além de suas conquistas, Bonifácio busca tornar o Brasil menos desigual, proporcionando mais oportunidades a todos. No episódio, ele compartilha suas fontes de inspiração, como o pianista italiano Ludovico Einaudi, e recomenda leituras significativas, incluindo obras de José Saramago, como “O evangelho segundo Jesus Cristo” e “Ensaio sobre a cegueira”. Para crianças de 12 anos, sugere a fascinante jornada filosófica em “O Mundo de Sofia”.

Te convido para daqueles papos bons sobre empreendedorismo, liderança, superação e a busca pela felicidade neste bate-papo leve e descontraído.


Nestes dias em que volto à ativa mentorando empreendedores, organizando meu workshop de planejamento estratégico pessoal, e explorando oportunidades para quando estiver de volta ao Brasil (final de abril, logo logo!), me pego refletindo sobre tudo o que tenho lido, estudado e praticado recentemente: filosofia, psicologia, ficção (estou imerso e fascinado pela história de Raskolnikov, de Crime e Castigo), economia e perspectivas para 2024, previsão de ondas em Canggu, onde estão os melhores flat whites e nasi campurs de Pererenan, o que fazer em Bangkok com crianças, viagens longas de trem pela Tailândia, e … na brevidade das nossas experiências. Sonhamos, planejamos, trabalhamos, fazemos acontecer e, num piscar de olhos, passou. O que ficam são as memórias, os aprendizados, e o senso de protagonismo, tão importante para uma vida rica e bem vivida. Ou a sensação de que a vida passou num piscar de olhos e não fizemos nada de relevante; de que apenas seguimos a boiada e vivemos em standby. Por isso, fica aqui o meu convite para que você se junte ao workshop prático onde traduzirei o planejamento estratégico que tocava no iFood para a vida pessoal e profissional. Corre lá e se inscreva, é no dia 1o. de fevereiro.

Obrigado por me acompanhar, e vamos que vamos!

Alex


2024 promete? Finja até conseguir

Hoje eu resgato um tema que abordei 6 meses atrás e que cai como uma luva nesta época em que estamos quase parando para descansar, refletir e planejar. Eu sou apaixonado por psicologia, e trago aqui um dos meus textos favoritos sobre a ciência e a arte de ser antes de ser.

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo a mentira, a enrolação, e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Se você está no corre e quer só o resumo:

  • Fake it until you make it é uma expressão em inglês que remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psicoterapeuta Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real.
  • Para ilustrar este conceito na prática, divido minha experiência. Apesar de soar como falcatrua quando o ouvi pela primeira vez no contexto do meu MBA em Harvard, senti na pele as benesses do fake it until you make it ao me expor além do meu nível de confiança e encarar este tipo de risco. Aos poucos fui ganhando mais e mais segurança na minha habilidade de expor e debater posturas fortes e controversas em sala de aula.
  • Corroborando o fake it until you make it por uma ótica acadêmica, no livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.
  • Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento. 
  • Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos realizou um estudo em que os participantes usavam camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimavam quantas pessoas notaram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, os participantes estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas com estampas vergonhosas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Orgulhoso e temeroso na sala de aula da Harvard Business School

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake it until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo à mentira, à enrolação e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Alguns meses do programa de MBA foram passando, minha ansiedade sobre não dar conta daquela jornada intensa foi diminuindo, e eu fui entendendo na prática o que o fake it until you make it significa. O programa de MBA de Harvard é puxado e 50% da nota de cada disciplina vem da participação em sala de aula. A pressão é enorme porque o sistema de notas é uma curva forçada onde os 10% que apresentam o melhor desempenho tiram a nota 1, os 80% seguintes a nota 2, e os últimos 10% tiram a nota 3. A perspectiva de tirar uma nota 3 apavora os alunos do primeiro ano, especialmente porque alunos que tiram nota 3 em 50% ou mais dos cursos de determinado semestre são convidados a refletirem por um ano sobre seus valores e pontos fortes, o equivalente a uma reprovação de ano. É o sonho virando pesadelo rapidinho na cabeça de quem está maravilhado e assustado com as belezas e rigores da famosa Harvard.

Os americanos aprendem a debater e a falar em público desde pequenos; portanto, para eles é natural. Para os estrangeiros, especialmente nós, brasileiros, que aprendemos inglês depois dos 20 anos de idade, defender ideias e debatê-las em inglês perante uma turma de 90 jovens ambiciosos e sedentos para discordar do seu argumento é um tanto desafiador. A vontade inicial era ficar quieto e só observar, mas seguir assim era garantia de fracasso num curso que tanto sonhei. Então eu tinha que me arriscar, levantar a mão com convicção e expor o que eu faria na posição do protagonista do caso estudado (Harvard ensina 100% do seu currículo de sala de aula através de cases reais, onde os alunos são provocados a se posicionar em relação ao dilema vivido pelos protagonistas; ao longo do MBA de 2 anos, são mais de 500 cases estudados). Os cases, assim como a vida real, são sempre cheios de ambiguidade; não há certo e errado.

O meu nível de segurança em relação à assertividade do meu posicionamento era tipicamente muito baixo; porém, aprendi a me inspirar nos colegas americanos que falavam com tanta convicção. Aos poucos, fui expondo os meus argumentos como se tivesse certeza absoluta do que estava falando. Percebia que, assim, a qualidade das discussões que se seguiam e os feedbacks dos professores em relação ao meu desempenho em sala de aula eram muito melhores. Isso aumentou minha confiança no meu raciocínio e passei a arriscar mais, trazendo pontos de vista mais radicais e provocando discussões mais contraditórias e interessantes. Gradativamente, minha autoconfiança cresceu e eu já não precisava fingir tanto para parecer seguro sobre o que falava. Eu senti na pele o que é o fake it until you make it.

Então eu entendi que o fake it until you make it é frequentemente usado como um lema para motivar pessoas a agirem com confiança, mesmo que não se sintam completamente preparadas ou seguras em determinada situação. Essa abordagem sugere que, ao adotar uma postura confiante, mesmo quando não estamos confiantes internamente, podemos alcançar o sucesso e desenvolver uma autoconfiança genuína ao longo do caminho.

A origem do fake it until you make it remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psiquiatra Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real. De forma prática, é aquele coordenador que já se comporta como se fosse gerente, o gerente que se comporta como diretor, o diretor que se comporta como CEO e dono da empresa. Eu já trabalhei com gerente que se comportava como sócio de fundo de investimento e para mim, sócio na época, foi muito fácil promovê-lo porque era evidente que ele já estava pronto para assumir o novo desafio. Ele havia internalizado que já estava lá e agia e se comunicava como tal. Ele não me tratava como chefe, e sim como par, trazendo sugestões e posturas que desafiavam a liderança e nos levavam a melhores decisões.

Deu tudo certo: concluí o programa sem levar “bombas” relevantes e aprendendo sobre meus pontos fortes

No livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de se afastar de abordagens tradicionais e assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Ibarra argumenta que, em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.

Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento.

O nome spotlight effect é uma metáfora que faz alusão a um holofote ou um refletor de luz, sugerindo que os outros estão focados em nós da mesma forma que uma luz brilhante em um palco. No entanto, na realidade, as pessoas tendem a estar mais envolvidas em seus próprios pensamentos e preocupações, e prestam menos atenção aos detalhes específicos sobre os outros.

Esse fenômeno pode ocorrer em diversas situações, desde eventos sociais até apresentações em público, entrevistas de emprego ou simples interações cotidianas. As pessoas que experimentam o efeito spotlight geralmente têm uma consciência aumentada de si mesmas, preocupando-se excessivamente com sua aparência, comportamento, palavras e ações, muitas vezes temendo serem julgadas ou avaliadas negativamente pelos outros.

É importante notar que o efeito holofote é uma percepção individual e subjetiva, e tipicamente não reflete a realidade. A maioria das pessoas tende a se concentrar mais em si mesmas do que nos outros, o que significa que os supostos erros ou falhas percebidos pelos indivíduos podem passar despercebidos pelos demais.

Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos testou o efeito holofote na prática através de um estudo científico. Gilovich, Medvec e Savitsky (2000) pediram que os participantes do estudo usassem camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimassem quantas pessoas notaram e reconheceram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, eles estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas chamativas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Sou um defensor da autenticidade e da verdade, e sei o quanto a exposição a novos contextos e desafios nos fazem crescer. O fake it until you make it, para mim, se tornou sinônimo de experimentação e exploração de temas novos. Com humildade e autoconhecimento, busco mostrar convicção nas minhas ações e narrativas, ao mesmo tempo que sempre reviso o que de fato está me trazendo crescimento e aprendizado e o que não está me servindo positivamente. Me esforço para não me segurar por medo da opinião alheia, sabendo que só através da tomada de risco é que avançamos em direção à nossa melhor versão.

Alex

Alice perguntou: Gato Cheshire… pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Lewis Carrol

Coragem ou loucura

Obrigado aos leitores que me acompanham nesta jornada. Escrevo com o objetivo de transbordar tudo o que gostaria de comunicar ao mundo através de reflexões leves e despretensiosas sobre o universo que habito.

Naturalmente, isso toca o mundo de venture capital, tech e empreendedorismo. Mas não queria que fosse o relatório de um banco de investimento, ou que focasse apenas no lado técnico desse mundo – já tem muita gente boa abordando esses aspectos. Olhando para dentro e entendendo os assuntos que me provocam e me fazem refletir e que, ao mesmo tempo, me dão prazer em analisar, escrever e compartilhar, o que está faltando nessa agenda é o lado humano da coisa. O comportamento que faz com que o indivíduo largue o caminho seguro para começar algo novo do zero, a determinação para seguir em frente e não desistir, a realização de sonhos, a vida como uma grande aventura. Esse é o lado de “venture” que me fascina. Essa, para mim, é a magia do empreendedorismo: a exploração e a conquista de novos territórios. A inspiração para o nome desta news vem daí :).

Black and White Mountain Wallpapers | Tranquil Mountain Landscapes |  Happywall

Em paralelo e bastante alinhado com tudo isso, a inspiração pulsa por aqui à medida que exploramos e experimentamos uma nova vida em família. Estar longe de casa me faz questionar e enxergar aquilo que a rotina oculta. Por isso a reflexão de hoje vem de uma conversa inspiradora que eu e o amigo Tiago Luz tivemos com o Riq Lima, co-fundador e CEO da Worldpackers. Há 2 semanas lançamos o podcast “Um Impossível por Vez“, seguindo o mantra que rege a vida do Tiago e com o qual eu tanto me identifico. O Riq é o nosso segundo convidado.

Riq, que é economista formado pela USP, largou o mundo de banco de investimento quando estava em plena ascensão profissional para explorar o mundo e a si mesmo. Com 24 anos e a grana curta, ele rodou por dezenas de países com um mochilão nas costas e muita sede por aprendizado, sendo chamado de “louco” pela família e amigos próximos. Apesar de jovem, seu salário na época era maior do que os salários somados dos seus pais, e o caminho para o sucesso tradicional já estava traçado. Só que não. Riq foi corajoso e seguiu em frente, embarcando no caminho do empreendedorismo na sequência e resolvendo um problema que conhecia bem: a busca por experiências autênticas e baratas. Neste ano, a Worldpackers comemora 10 anos e celebra o impacto em mais de 4,5 milhões de usuários cadastrados na plataforma, mais de 75 mil pessoas que estão vivendo experiências únicas neste momento, e uma empresa que respira os valores dos seus fundadores: facilitar a vivência de experiências fora da zona de conforto aos seus usuários enquanto cresce como negócio de forma sustentável, com margens atrativas e boa geração de caixa. Nesta conversa, refletimos sobre a diferença entre coragem e loucura. Foi um papo bem legal.

Refletindo sobre a rodagem até então, as pessoas que mais me inspiram e provocam têm um lado “louco” bastante pronunciado. São os que sabem o que querem, que têm a convicção para dizer não ao caminho batido e perseguir algo novo. Frequentemente quebram a cara, mas são os que têm as melhores histórias para contar. Histórias que manifestam presença, experiência, e autenticidade. Quando estava terminando o primeiro ano do meu MBA em Harvard, o Cesar Carvalho, que estava na minha turma, decidiu “trancar” o tão sonhado MBA para começar o que se transformou na Gympass. Quem larga o MBA de Harvard para empreender, num momento onde existiam poucos fundos e o capital era bastante limitado na América Latina? Só pode ser louco :).

Quer outra história inspiradora? O amigo Guilherme Bonifácio estava terminando a faculdade de Administração na USP e tinha duas escolhas: ou seguia o caminho de consultoria estratégica, onde poderia crescer rápido e ganhar dinheiro, ou se juntava a outros recém formados para ajudar a digitalizar um negócio de entrega de comida que recebia pedidos por fax. Foi chamado de louco por deixar o salário alto e o caminho do “sucesso” e se juntar ao time da DiskCook, que depois virou o iFood. Isso foi só o começo: o Gui ainda empreendeu na Rapiddo e na Mercê do Bairro.

Num outro papo inspirador que tive essa semana, a empreendedora Marina Proença me lembrou que coragem não é o oposto de ter medo. Coragem é reconhecer seus medos e abordá-los de forma racional, sentindo frio na barriga e transpirando a beleza da superação. Pessoalmente, acho que superação é o grande propósito da vida. Hoje melhor do que ontem, e a base de comparação sou eu mesmo.

Infelizmente, nossa sociedade prega a perfeição. Queremos parecer perfeitos em nossas carreiras, vidas pessoais, startups, etc. O custo dessa busca que valoriza o externo é um desalinhamento com o que vem de dentro e que realmente importa. Coragem é olhar para dentro e entender o que valorizamos verdadeiramente, fazendo esses valores manifestarem no mundo externo com autenticidade. Como diz Adam Grant, “autenticidade não se trata de expressar cada opinião que você tem. Trata-se de garantir que o que você diz (e faz) reflita o que você valoriza.”

Olhando para o Brasil, somos o país onde até pouco tempo atrás os melhores talentos sonhavam com o emprego público concursado e estável. Nossas livrarias e bancas de revistas ilustravam apostilas para “gabaritar”os concursos e alcançar a tão sonhada estabilidade. Em minha própria casa, minha mãe já disse algumas vezes “concurso público é que é bom”. Enquanto nos EUA, o que me chamava a atenção durante meus anos de MBA é que qualquer livraria oferecia uma abundância de livros que remetiam à construção de negócios grandes e disruptivos, com uma clara mensagem que demonstrava um dos valores do país: empreendedorismo.

Hoje a cena por aqui mudou muito. Graças ao volume de capital disponível para inovação e os casos de sucesso e liquidez para os empreendedores e investidores, os melhores talentos querem empreender. A maioria quer resolver problemas urgentes e relevantes, como o aquecimento global. Pode parecer controverso, mas é aqui que entra o poder do capitalismo e o valor do venture capital em fomentar a inovação de forma cada vez mais meritocrática.

Finalizando, sou pai da Aisha e do Kai. A Aisha é uma linda menina de 7 anos e na nossa casa incentivamos o máximo de exposição ao mundo e a superação dos medos, o que é particularmente importante para as meninas, que ainda são rotuladas e moldadas para serem sensíveis e perfeitas. Fica a dica deste TED: Teach girls bravery, not perfection.

Obrigado mais uma vez. Fico feliz em receber feedbacks e comentários sobre estas reflexões; fique à vontade para responder este email, comentar abaixo, ou me escrever no alex@letshike.io.

Let’s hike!

Alex

P.S. o trecho abaixo vem do livro The Good Life, que remete ao estudo sobre felicidade conduzido por Harvard há quase um século. Vale a leitura e reflexão, do trecho e do livro :).

“Há esses dois peixinhos nadando juntos, e eles se deparam com um peixe mais velho nadando na direção oposta, que acena para eles e diz: ‘Bom dia, rapazes. Como está a água?’ E os dois peixinhos nadam por um tempo, e então, eventualmente, um deles olha para o outro e pergunta: ‘O que diabos é água?’

Toda cultura, desde a cultura ampla de uma nação até a cultura dentro de uma família, é parcialmente invisível para seus participantes. Existem suposições importantes, julgamentos de valor e práticas que criam a água na qual nadamos sem que percebamos ou concordemos com elas. Simplesmente nos encontramos neste mundo e seguimos em frente. Esses elementos da cultura afetam praticamente tudo em nossas vidas, muitas vezes de maneiras positivas, conectando-nos uns aos outros e criando identidades e significado. Mas há um lado negativo. Às vezes, mensagens e práticas culturais nos direcionam para longe do bem-estar e da felicidade.”

Robert Waldinger, The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness

Fora da curva

Sucesso sem obsessão é possível? Bem, depende de como você define sucesso — portanto a resposta é que sim, é possível encontrar e viver a sua definição de sucesso sem obsessão. Agora, se estamos falando de atingir resultados fora da curva, que se destacam da maioria, que vão além da média, minha conclusão é que não. Não acredito que seja possível ser notável sem um investimento igualmente acima da média de tempo, foco e energia. Independentemente da área, até hoje não encontrei nenhum outlier que não tenha investido muito para conquistar seus resultados. Quem promete o contrário está mentindo. Não tem fórmula mágica. É uma mistura de suor, lágrimas e … risadas, porque dificilmente alguém consegue ir além da “média” se não estiver se divertindo e ganhando energia com o processo.

Eu sou apaixonado por esportes e por mexer o corpo, e o triatleta alemão Jan Frodeno é um cara que me chama a atenção. Jan foi medalhista de ouro no triatlo masculino nos Jogos Olímpicos de Verão de 2008 em Pequim. Venceu por três vezes o Campeonato Mundial Ironman, em 2015, 2016 e 2019, e duas vezes o Campeonato Mundial Ironman 70.3, em 2015 e 2018. Estabeleceu o recorde mundial para a longa distância em 2016, com o tempo de 7:35:39 horas (a média masculina deste esporte que é por definição brutal é de 13 horas). Em 2021, quebrou seu próprio recorde com um tempo de 07:27:53, estabelecendo um novo melhor mundial para o triatlo de longa distância. Quem vê o cara nas redes sociais parece que é fácil. Será mesmo?

Jan se aposentou do triatlo competitivo há pouco, mas continua vivendo com intensidade. Mergulhei na sua história para entender como a rotina de treinos e nutrição dele se comparava a outros atletas, porque quem olha de fora tem a impressão que sua vida é suave e linear, e às vezes atribuímos resultados extraordinários à sorte ou à genética (que não deixa de ser sorte). Não é o caso de Jan, e acho que não é o caso de ninguém que é foda no que faz. Triatletas profissionais treinam em média 30 horas por semana, Jan chega a treinar 45. Acompanhando um vídeo que mostra sua rotina, o clássico “day in the life”, me impressionou que seu dia começa às 5.30am na piscina, segue para uma corrida de 10Km ao ar livre, 65Km de bike pela estrada, treino de bike e fortalecimento indoor e, para finalizar o dia, treino de tiro de corrida ao anoitecer. Veja o que ele fala: “enquanto meus concorrentes estão sentados na mesa de jantar comendo, o fim do dia é meu horário favorito de treinar. Eu sei que estou me martelando, dando o meu melhor, indo até o limite”. Não é genética, não é sorte; é processo, disciplina, consistência, suor. É obsessão. A versão light desta mensagem, conforme dizemos na Faria Lima, é o clássico “there’s no free lunch“, ou “não existe almoço grátis”.

Jan Frodeno takes career-defining win at PTO US Open - Triathlon Magazine  Canada
Jan Frodeno em uma de suas últimas provas como triatleta profissional no PTO US Open em 2023

Para nós, mortais que mesmo que com muita vontade não poderíamos treinar 40 horas por semana porque treino não paga boletos, não é diferente. O desafio é encontrar o que te energiza de verdade para então dedicar as horas, disciplina e foco necessários para construir histórias e resultados excepcionais. Esqueça a narrativa de seguir sua paixão: as paixões mudam com a maturidade e à medida que vivemos e aprendemos, mas nossas fontes de energia tendem a se manter bem mais constantes. A maioria segue o status quo, percorrendo rotas já batidas daquilo que é considerado sucesso pela massa. Ao seguir aquilo que não conversa de verdade com o que lhe gera energia, as pessoas se conformam em navegar na mediocridade e param de questionar e buscar. A realidade é que quando entregar além da média se torna um fardo a conta não fecha; mesmo com insistência, não será um caminho sustentável. É a fonte do burnout e outras mazelas. Para a conta fechar, é preciso que o suor, e as vezes até as lágrimas, seja um combustível interno que deixa o motor mais forte e melhor. É preciso amar o processo — ou a jornada, como eu gosto de chamar.

E o equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Acho difícil ter uma vida consistentemente equilibrada. Às vezes o pêndulo pesa para o profissional, especialmente em momentos de grandes entregas e quando abraçamos projetos novos; em outros momentos, é necessário que dediquemos mais tempo ao pessoal. Nunca é 50:50. Obsessão e grandes entregas estão também relacionadas a foco, e não somente a horas investidas. Saber dizer não, eliminar os ruídos, cortar aquilo que não conversa com a história que está sendo escrita é prerrogativa para uma vida rica, com entregas profissionais fora da curva e a construção de uma família. Por isso é importante saber: que história está sendo criada? Em business, chamamos isso de estratégia, mas a pergunta é relevante a tudo e a todos.

Que história você está construindo?

Alex

É tão simples: gaste menos do que você ganha. Invista com inteligência. Evite pessoas tóxicas e atividades tóxicas. Tente continuar aprendendo durante toda a sua vida. E pratique muita gratificação adiada. Se você fizer todas essas coisas, é quase certo que terá sucesso. E se não fizer, você vai precisar de muita sorte. E você não quer precisar de muita sorte. Você quer entrar em um jogo onde é muito provável que você ganhe sem precisar de sorte incomum.

Charlie Munger