Reuniões de conselho e 3 livros

Correria boa por aqui. Como já mencionei no passado, escrita para mim é terapia, então voltemos ao divã compartilhando conhecimento que pode ser relevante para mais gente.

Dois acontecimentos recentes da minha vida profissional trazem as reflexões desta edição: (1) me juntei ao conselho da Tupi, uma startup investida pela gigante Raizen Power que foca em facilitar a transição energética nas estradas, por isso trago uma estrutura objetiva e funcional sobre como tocar reuniões de conselho de forma produtiva; (2) colocamos para rodar a primeira turma do programa Expansão de Negócios, realizado junto ao G4 e encabeçado pelo brilhante Paulo Guedes. Foi uma honra ter desenhado e entregue este primeiro programa com o Paulo e o Phillip Trauer (investidor de VC que eu admiro), além da equipe energizada e competente do G4. Entre tantas lições práticas compartilhadas, o Paulo recomendou 3 livros que impactaram sua jornada com empreendedor. É conhecimento muito valioso para não ser compartilhado :).

Da esquerda para à direita: eu, Julian Tonioli, Paulo Guedes e Phillip Trauer nos bastidores, antes de iniciarmos a sessão da tarde do segundo dia da nossa formação

Sobre reuniões de conselho

Elas são uma oportunidade única para a equipe de liderança receber uma perspectiva independente e crítica sobre o negócio. Um bom conselho faz as perguntas certas e traz transparência e “accountability” aos responsáveis pelos grandes projetos. Já estive em ambos os lados dessa mesa, tanto como operador no iFood quanto como conselheiro, e sei o impacto transformador que esse ritual pode ter.

No entanto, é triste ver que muitas reuniões de conselho se tornam apenas sessões de relatórios, desperdiçando uma oportunidade de ouro para discutir e alinhar questões estratégicas. A chave está em planejar essas reuniões de forma eficaz.

Segue aqui uma sugestão de como aproveitá-las ao máximo:

1. Material de Leitura Prévia (Pre-read): Envie um resumo prévio para que todos cheguem à reunião com uma compreensão clara dos assuntos importantes. Isso deve ser enviado com pelo menos 2-3 dias de antecedência. O que incluir:

– Atualização de Vendas: Pipeline, estado das contas principais e projeções para os próximos 3-6 meses. Isso dá uma visão clara de onde estamos e para onde estamos indo.

– Atualização de Tecnologia: Principais prioridades e lançamentos esperados nos próximos meses. Aqui, destacamos como a tecnologia está impulsionando nossa estratégia.

– Atualização Financeira: Demonstração de resultados, balanço patrimonial e previsão de caixa para os próximos 12 meses. Isso é crucial, especialmente em momentos de incerteza no mercado de capitais.

– Atualização de Pessoas: Contratações recentes, posições-chave a serem preenchidas e quaisquer saídas significativas. O talento é o coração de qualquer organização.

– Principais Preocupações do CEO: Liste os 1-2 pontos que mais preocupam a liderança. Estes são os pontos que precisam de atenção urgente, pois podem impactar a estratégia da empresa. Pode ser relacionado ao product-market fit, desafios de crescimento, gargalos operacionais, necessidades de capital, movimentos da concorrência, etc.

2. Revisão do Pre-read: Durante uma reunião mensal ou bimestral de 2 horas, reserve 30-60 minutos para discutir o material de leitura prévia. Esse tempo deve ser utilizado para discussão, não para apresentação. Assuma que todos já leram o material, o que facilita uma conversa mais produtiva.

3. Tópicos Estratégicos: Use o tempo restante para discutir 1-2 tópicos estratégicos que estão tirando seu sono. Esse é o momento de aproveitar ao máximo o conhecimento e a experiência dos conselheiros, obtendo feedback valioso e novas perspectivas.

4. Participação da Equipe de Liderança: Convide os principais membros da sua equipe de liderança para partes específicas da reunião. Eles devem estar presentes durante a revisão do pre-read e nas discussões sobre os tópicos estratégicos. Isso permite uma troca mais rica e direta com o conselho.

5. Sessão Exclusiva do CEO: Recomendo que o CEO inicie e finalize a reunião com uma sessão exclusiva com o conselho. No início, é o momento de alinhar expectativas e destacar onde mais precisa de suporte. No final, é a oportunidade de receber feedback sobre a reunião e identificar pontos que precisam de maior atenção.

Dica Final: Deixe o ego de lado. Esteja aberto para ouvir, ser desafiado e, ao mesmo tempo, educar o conselho sobre as nuances do negócio. Embora tenham muita experiência, eles podem não conhecer tão bem o seu negócio quanto você.

3 livros indicados por Paulo

O programa Expansão de Negócios foi desenhado para ajudar empresários a refletirem e estruturarem a próxima fase de crescimento de seus negócios. Eu trouxe muita coisa que vivenciei na McKinsey, iFood e como investidor e conselheiro de startups que decolaram, quebraram, se fundiram, compraram negócios menores e, eventualmente, foram adquiridas por gigantes. O Phillip trouxe sua experiência como investidor em empresas incríveis como Buser, Merama e Loft. Já o Paulo Guedes compartilhou sua visão e experiência prática como fundador e conselheiro de grandes empresas, como BTG Pactual, Abril Educação e Crescera. Além de ser um grande economista e empreendedor, Paulo é uma pessoa incrível, com uma energia contagiante e uma paixão evidente em ajudar o Brasil e os brasileiros a prosperarem. Entre tantos cases e lições práticas apresentados, Paulo recomendou 3 livros que mudaram sua forma de pensar e executar na jornada de criação de grandes negócios. São eles:

  1. Feitas para Durar: Práticas Bem-sucedidas de Empresas Visionárias, de Jim Collins: O livro entra nos “porquês” do sucesso duradouro de empresas visionárias e duradouras, mostrando que um líder carismático não é a salvação e que é preciso ter ideologia, saber selecionar as pessoas certas, valorizá-las, treiná-las e que o lucro não deve ser o norte principal.
  2. Estratégia Competitiva, de Michael Porter: Um clássico. É essencial estudar sua indústria, ganhar clareza sobre seu posicionamento e reforçar suas vantagens competitivas. Esse livro é uma obra prima dos estudiosos e práticos de estratégia. Aqui, Michael Porter, uma das lendas vivas da Harvard Business School, apresenta as diferentes forças competitivas que afetam um negócio, bem como possíveis estratégias para competir, penetrar e abandonar mercados, além de identificar oportunidades.

    Porter ajudou a abrir os olhos das empresas para as forças competitivas que nem sempre aparecem em seu radar, como novos entrantes e produtos substitutos. Além disso, ele mostra como o poder de barganha de poucos fornecedores ou de muitos clientes podem espremer as margens de um negócio mal posicionado.

    Em resumo, Porter fornece uma estrutura sólida para entender a concorrência e desenhar um plano claro sobre como ganhar o jogo. O sucesso a longo prazo não vem de seguir tendências, mas de entender profundamente as forças que moldam a concorrência – as regras do jogo – e de posicionar a empresa para tirar proveito dessas forças.
  3. Decisão! Como Grandes Líderes Fazem Escolhas, de Noel Tichy: A ideia do livro é que a capacidade de tomar decisões acertadas nos momentos críticos é o que separa os grandes líderes dos demais. Tichy mostra como a capacidade de ler o ambiente e tomar boas decisões é a chave para ser um líder de impacto, seja ao escolher as pessoas certas, definir estratégias ou enfrentar crises.

Nas palavras de Guedes, “esses autores são os melhores do mundo em suas áreas, e esses livros representam o trabalho de uma vida. Vejam que maravilhoso, temos acesso a um conhecimento incrível por um custo muito baixo, que é o preço de um livro”. O duro é que numa sociedade que busca gratificação imediata, sentar e ler textos longos virou um desafio e uma raridade.

Às vezes, parar para estudar e aprender com os melhores nos economiza anos de experiências frustradas de tentativas e erros. Dá para chamar de investimento estratégico, aquele que você sai do modus operandi do dia-a-dia e investe seu recurso mais valioso (tempo) naquilo que não trará retorno imediato.

Em frente, bora construir!

Alex


Você não precisa de mais intensidade; você precisa de mais consistência. A intensidade impressiona; a consistência transforma.

PS.: não sei quem é autor desta frase, mas li em algum lugar e achei válido e relevante, por isso compartilho :).

iFood: dilemas estratégicos e bate-papo com seu co-fundador

Conheci o iFood em 2015 quando me juntei à Movile e o iFood era a empresa mais promissora do portfólio. Rapidamente me apaixonei pela companhia: dinâmica, divertida, jovem, ambiciosa e muito mão na massa. Lembro que a principal mesa de reunião também servia como mesa de pingue-pongue; não porque era cool, mas para aumentar a eficiência dos recursos, um valor com o qual também me identifiquei rapidamente. Em 2017 me juntei ao time de liderança da empresa e vivi uma das minhas experiências profissionais mais marcantes. Foi uma jornada e tanto. Além dos aprendizados profissionais e lições práticas em estratégia, ficaram amizades que perduram, e na edição de hoje eu trago estes dois elementos: uma pincelada nos dilemas estratégicos vividos pelo iFood em 2018/19 e uma conversa com um dos seus co-fundadores, o Guilherme Bonifácio.

Falando sobre estratégia para o encontro anual da empresa, em 2018
  1. Strategie

Em um mercado em constante transformação, a tomada de decisões estratégicas é crucial para o sucesso de qualquer empresa. No caso do iFood, a decisão de investir em logística própria, em um momento em que o modelo de marketplace era lucrativo e dominante, foi um divisor de águas na história da empresa. Eu fui estrategista chefe do iFood de 2017 a 2019, um período de muita mudança no mercado de delivery no Brasil e também de muita transformação dentro da companhia.

O contexto:

Em 2017, o iFood era líder no mercado brasileiro de delivery, operando sob o modelo de marketplace. Esse modelo era simples, lucrativo e exigia investimentos principalmente em marketing e comercial.

O desafio:

A chegada de novos players, como Rappi e UberEats, com o modelo de entrega própria, representou uma séria ameaça ao iFood. Esse modelo oferecia maior conveniência aos usuários e atraía restaurantes que antes não operavam delivery.

A decisão:

Diante do dilema, o iFood optou por investir na construção de sua própria malha logística. Uma decisão difícil e arriscada, que demandaria altos investimentos e enfrentaria desafios operacionais complexos.

A jornada:

Para aprofundar o conhecimento sobre o modelo de logística própria, eu e outros líderes do iFood viajamos para países como Índia, China, Canadá e Reino Unido. O objetivo era entender com empresas que já dominavam esse modelo funcionavam e acelerar o processo de aprendizado do iFood.

O resultado:

A decisão estratégica se mostrou acertada. Hoje, cerca de 40% dos pedidos do iFood são entregues por sua própria malha logística, tornando-se um dos principais ativos da empresa.

Lições aprendidas:

  • A estratégia exige análise profunda do contexto e a capacidade de tomar decisões que podem sacrificar o curto prazo em prol do futuro.
  • Investir no desenvolvimento de novas capacidades, mesmo que complexas e custosas, pode ser crucial para se manter competitivo em um mercado em constante mudança.
  • A busca por conhecimento e aprendizado com empresas referência em outros mercados é essencial para acelerar o processo de inovação e adaptação.

Reflexões:

O caso do iFood ilustra como a estratégia é fundamental para navegar em um ambiente de negócios dinâmico e competitivo. A capacidade de tomar decisões difíceis, focar no longo prazo e investir em inovação são elementos essenciais para o sucesso.

Para além do caso específico do iFood, algumas reflexões adicionais podem ser feitas:

  • Qual o papel da estratégia em um mundo cada vez mais VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo)?
  • Como as empresas podem desenvolver a capacidade de se adaptar rapidamente a mudanças no mercado?

O caso do iFood, em que optamos por investir em logística própria para manter a competitividade, é um exemplo notável de como a estratégia pode ser utilizada para criar valor a longo prazo.

Outros cases de empresas que usaram a estratégia a seu favor:

  • Netflix: A empresa abandonou o modelo de aluguel de DVDs pelo correio e focou no streaming de filmes e séries, tornando-se líder global no segmento.
  • Amazon: Começou como livraria online e se diversificou para se tornar um marketplace gigante, oferecendo uma ampla variedade de produtos e serviços.
  • Apple: Saiu do mercado de computadores pessoais para se concentrar em smartphones, tablets e outros dispositivos móveis, tornando-se uma das empresas mais valiosas do mundo.
  • Starbucks: Transformou simples cafeterias em espaços aconchegantes para socialização, criando uma experiência única para seus clientes.
  • Lego: Deixou de ser apenas um fabricante de blocos de montar para se tornar uma empresa de entretenimento, com filmes, videogames e parques temáticos.

Em todos esses casos, as empresas foram capazes de identificar mudanças no mercado e tomar decisões estratégicas para se adaptar e prosperar. Essas decisões não eram óbvias no momento em que foram tomadas, porém arriscar faz parte da arte de se manter relevante e antecipar mudanças.

  1. Um papo com Guilherme Bonifacio: co-fundador do iFood, empreendedor serial, investidor, líder inspirador

No nono episódio do podcast “Um Impossível por Vez“, mergulhamos na trajetória inspiradora de Guilherme Bonifacio, co-fundador de empresas como iFood, ChefTime, Rapiddo e Mercê do Bairro, além de ser um investidor anjo em diversas startups promissoras no Brasil.

Nascido em uma família de funcionários públicos, Guilherme sempre teve a educação como um pilar essencial em seus valores familiares. Desde cedo, ganhou independência e se tornou referência para seus irmãos. Sua jornada empreendedora começou em Palmas, no recém-criado estado do Tocantins, onde testemunhou o surgimento de diversos empreendimentos. Com a decisão de estudar Economia na USP, sua primeira experiência em São Paulo o encantou com a energia vibrante da cidade, repleta de desafios e oportunidades.

No ambiente acadêmico, cercado por mentes brilhantes, Guilherme participou da empresa júnior e, movido pela curiosidade prática, após a graduação se juntou à pequena e desconhecida DiskCook com três amigos, empresa que foi posteriormente digitalizada como iFood. Os altos e baixos dessa jornada empreendedora são contados com carinho, destacando o dilema da inovação e a transformação da DiskCook em um marketplace online.

Guilherme compartilha sua experiência com a entrada da Movile como investidora, elevando o iFood a novos patamares de gestão, disciplina e ambição para criar um negócio bilionário. Sua visão sobre liderança como doação e aprendizado constante é inspiradora: “É ótimo ter um time brilhante, melhor do que você em diversos aspectos, para que você continue aprendendo sempre”.

O empresário brasileiro que realizou três “exits” em seis meses revela os desafios, demissões e incertezas que permeiam a vida de qualquer empreendedor. Guilherme destaca a diferença entre sucesso e felicidade, inspirado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé: “Felicidade é saber perdoar, o outro e a si próprio”.

Além de suas conquistas, Bonifácio busca tornar o Brasil menos desigual, proporcionando mais oportunidades a todos. No episódio, ele compartilha suas fontes de inspiração, como o pianista italiano Ludovico Einaudi, e recomenda leituras significativas, incluindo obras de José Saramago, como “O evangelho segundo Jesus Cristo” e “Ensaio sobre a cegueira”. Para crianças de 12 anos, sugere a fascinante jornada filosófica em “O Mundo de Sofia”.

Te convido para daqueles papos bons sobre empreendedorismo, liderança, superação e a busca pela felicidade neste bate-papo leve e descontraído.


Nestes dias em que volto à ativa mentorando empreendedores, organizando meu workshop de planejamento estratégico pessoal, e explorando oportunidades para quando estiver de volta ao Brasil (final de abril, logo logo!), me pego refletindo sobre tudo o que tenho lido, estudado e praticado recentemente: filosofia, psicologia, ficção (estou imerso e fascinado pela história de Raskolnikov, de Crime e Castigo), economia e perspectivas para 2024, previsão de ondas em Canggu, onde estão os melhores flat whites e nasi campurs de Pererenan, o que fazer em Bangkok com crianças, viagens longas de trem pela Tailândia, e … na brevidade das nossas experiências. Sonhamos, planejamos, trabalhamos, fazemos acontecer e, num piscar de olhos, passou. O que ficam são as memórias, os aprendizados, e o senso de protagonismo, tão importante para uma vida rica e bem vivida. Ou a sensação de que a vida passou num piscar de olhos e não fizemos nada de relevante; de que apenas seguimos a boiada e vivemos em standby. Por isso, fica aqui o meu convite para que você se junte ao workshop prático onde traduzirei o planejamento estratégico que tocava no iFood para a vida pessoal e profissional. Corre lá e se inscreva, é no dia 1o. de fevereiro.

Obrigado por me acompanhar, e vamos que vamos!

Alex


2024 promete? Finja até conseguir

Hoje eu resgato um tema que abordei 6 meses atrás e que cai como uma luva nesta época em que estamos quase parando para descansar, refletir e planejar. Eu sou apaixonado por psicologia, e trago aqui um dos meus textos favoritos sobre a ciência e a arte de ser antes de ser.

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo a mentira, a enrolação, e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Se você está no corre e quer só o resumo:

  • Fake it until you make it é uma expressão em inglês que remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psicoterapeuta Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real.
  • Para ilustrar este conceito na prática, divido minha experiência. Apesar de soar como falcatrua quando o ouvi pela primeira vez no contexto do meu MBA em Harvard, senti na pele as benesses do fake it until you make it ao me expor além do meu nível de confiança e encarar este tipo de risco. Aos poucos fui ganhando mais e mais segurança na minha habilidade de expor e debater posturas fortes e controversas em sala de aula.
  • Corroborando o fake it until you make it por uma ótica acadêmica, no livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.
  • Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento. 
  • Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos realizou um estudo em que os participantes usavam camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimavam quantas pessoas notaram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, os participantes estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas com estampas vergonhosas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Orgulhoso e temeroso na sala de aula da Harvard Business School

Quando eu fui fazer meu MBA nos Estados Unidos, uma das primeiras expressões novas que eu ouvi foi o fake it until you make it, ou finja até conseguir. Como brasileiro, a expressão me soou perversa, como se fosse um incentivo à mentira, à enrolação e ao faz de conta. No contexto de um dos lugares mais capitalistas do planeta que é a Harvard Business School, interpretei a mensagem como se fosse “enrole todo mundo até você ficar rico, depois você pode fazer o que quiser e ser autêntico”. Para usar outra expressão do inglês, soou como a mais pura bullshit.

Alguns meses do programa de MBA foram passando, minha ansiedade sobre não dar conta daquela jornada intensa foi diminuindo, e eu fui entendendo na prática o que o fake it until you make it significa. O programa de MBA de Harvard é puxado e 50% da nota de cada disciplina vem da participação em sala de aula. A pressão é enorme porque o sistema de notas é uma curva forçada onde os 10% que apresentam o melhor desempenho tiram a nota 1, os 80% seguintes a nota 2, e os últimos 10% tiram a nota 3. A perspectiva de tirar uma nota 3 apavora os alunos do primeiro ano, especialmente porque alunos que tiram nota 3 em 50% ou mais dos cursos de determinado semestre são convidados a refletirem por um ano sobre seus valores e pontos fortes, o equivalente a uma reprovação de ano. É o sonho virando pesadelo rapidinho na cabeça de quem está maravilhado e assustado com as belezas e rigores da famosa Harvard.

Os americanos aprendem a debater e a falar em público desde pequenos; portanto, para eles é natural. Para os estrangeiros, especialmente nós, brasileiros, que aprendemos inglês depois dos 20 anos de idade, defender ideias e debatê-las em inglês perante uma turma de 90 jovens ambiciosos e sedentos para discordar do seu argumento é um tanto desafiador. A vontade inicial era ficar quieto e só observar, mas seguir assim era garantia de fracasso num curso que tanto sonhei. Então eu tinha que me arriscar, levantar a mão com convicção e expor o que eu faria na posição do protagonista do caso estudado (Harvard ensina 100% do seu currículo de sala de aula através de cases reais, onde os alunos são provocados a se posicionar em relação ao dilema vivido pelos protagonistas; ao longo do MBA de 2 anos, são mais de 500 cases estudados). Os cases, assim como a vida real, são sempre cheios de ambiguidade; não há certo e errado.

O meu nível de segurança em relação à assertividade do meu posicionamento era tipicamente muito baixo; porém, aprendi a me inspirar nos colegas americanos que falavam com tanta convicção. Aos poucos, fui expondo os meus argumentos como se tivesse certeza absoluta do que estava falando. Percebia que, assim, a qualidade das discussões que se seguiam e os feedbacks dos professores em relação ao meu desempenho em sala de aula eram muito melhores. Isso aumentou minha confiança no meu raciocínio e passei a arriscar mais, trazendo pontos de vista mais radicais e provocando discussões mais contraditórias e interessantes. Gradativamente, minha autoconfiança cresceu e eu já não precisava fingir tanto para parecer seguro sobre o que falava. Eu senti na pele o que é o fake it until you make it.

Então eu entendi que o fake it until you make it é frequentemente usado como um lema para motivar pessoas a agirem com confiança, mesmo que não se sintam completamente preparadas ou seguras em determinada situação. Essa abordagem sugere que, ao adotar uma postura confiante, mesmo quando não estamos confiantes internamente, podemos alcançar o sucesso e desenvolver uma autoconfiança genuína ao longo do caminho.

A origem do fake it until you make it remonta ao campo da psicologia e ao conceito de “autopromoção”, proposto pelo psiquiatra Alfred Adler. O cerne da ideia é que, ao assumir uma postura confiante e agir como se já estivéssemos alcançado o sucesso desejado, podemos influenciar positivamente nossa mentalidade e comportamento, criando oportunidades para o sucesso real. De forma prática, é aquele coordenador que já se comporta como se fosse gerente, o gerente que se comporta como diretor, o diretor que se comporta como CEO e dono da empresa. Eu já trabalhei com gerente que se comportava como sócio de fundo de investimento e para mim, sócio na época, foi muito fácil promovê-lo porque era evidente que ele já estava pronto para assumir o novo desafio. Ele havia internalizado que já estava lá e agia e se comunicava como tal. Ele não me tratava como chefe, e sim como par, trazendo sugestões e posturas que desafiavam a liderança e nos levavam a melhores decisões.

Deu tudo certo: concluí o programa sem levar “bombas” relevantes e aprendendo sobre meus pontos fortes

No livro “Act Like a Leader, Think Like a Leader” a professora Herminia Ibarra destaca a importância de se afastar de abordagens tradicionais e assumir uma postura mais dinâmica e experimental na busca do desenvolvimento de liderança. O cerne da obra gira em torno do conceito de que a mudança ocorre através da ação. Ibarra argumenta que, em vez de esperar por uma transformação interna para nos tornar líderes, devemos agir como líderes desde o início, buscando oportunidades para assumir responsabilidades e experimentar diferentes papéis. Ao agir dessa forma, ampliamos nossos conhecimentos e habilidades, desenvolvendo uma identidade de liderança mais autêntica e eficaz.

Por outro lado, na contramão do nosso crescimento, está o spotlight effect, para continuar usando expressões da terra do tio Sam. O “efeito holofote” refere-se a um fenômeno psicológico em que a pessoa tende a acreditar que está sendo observada e notada de forma mais intensa do que realmente está. Essa percepção leva a uma autoconsciência e preocupação excessiva com a própria aparência, comportamento e desempenho em situações sociais. Seria o contrário do fake it until you make it: neste, expomos mais do que somos, esticando o músculo do crescimento pessoal; no outro (spotlight effect), expomos menos do que somos por medo do julgamento, e encurtamos o músculo que alavanca o nosso crescimento.

O nome spotlight effect é uma metáfora que faz alusão a um holofote ou um refletor de luz, sugerindo que os outros estão focados em nós da mesma forma que uma luz brilhante em um palco. No entanto, na realidade, as pessoas tendem a estar mais envolvidas em seus próprios pensamentos e preocupações, e prestam menos atenção aos detalhes específicos sobre os outros.

Esse fenômeno pode ocorrer em diversas situações, desde eventos sociais até apresentações em público, entrevistas de emprego ou simples interações cotidianas. As pessoas que experimentam o efeito spotlight geralmente têm uma consciência aumentada de si mesmas, preocupando-se excessivamente com sua aparência, comportamento, palavras e ações, muitas vezes temendo serem julgadas ou avaliadas negativamente pelos outros.

É importante notar que o efeito holofote é uma percepção individual e subjetiva, e tipicamente não reflete a realidade. A maioria das pessoas tende a se concentrar mais em si mesmas do que nos outros, o que significa que os supostos erros ou falhas percebidos pelos indivíduos podem passar despercebidos pelos demais.

Nos anos 2000, um grupo de acadêmicos testou o efeito holofote na prática através de um estudo científico. Gilovich, Medvec e Savitsky (2000) pediram que os participantes do estudo usassem camisetas com uma estampa bem chamativa e, em seguida, estimassem quantas pessoas notaram e reconheceram o desenho. Os resultados revelaram que os participantes superestimaram significativamente a quantidade de atenção recebida. Em média, eles estimaram que 50% das pessoas que interagiram com eles notaram suas camisetas chamativas; na prática, apenas 25% de fato perceberam. Ou seja, tipicamente superestimamos o quanto os outros prestam atenção no que fazemos e deixamos de arriscar a exploração de novos comportamentos e territórios por motivos irracionais.

Sou um defensor da autenticidade e da verdade, e sei o quanto a exposição a novos contextos e desafios nos fazem crescer. O fake it until you make it, para mim, se tornou sinônimo de experimentação e exploração de temas novos. Com humildade e autoconhecimento, busco mostrar convicção nas minhas ações e narrativas, ao mesmo tempo que sempre reviso o que de fato está me trazendo crescimento e aprendizado e o que não está me servindo positivamente. Me esforço para não me segurar por medo da opinião alheia, sabendo que só através da tomada de risco é que avançamos em direção à nossa melhor versão.

Alex

Alice perguntou: Gato Cheshire… pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Lewis Carrol

Staying hungry, como pensa um dos melhores investidores do mundo e asking for help

Controle seus impulsos

Steve Jobs já dizia “stay hungry, stay foolish“, mas melhor do que ele dizer é a ciência comprovar que o segredo da longevidade não está nos múltiplos suplementos que tentam te vender todos os dias, mas sim em comer pouco. Comer é frequentemente uma fuga, um alívio, talvez a única fonte de prazer do dia. Os alimentos que mais “alegram” o nosso cérebro instantaneamente são aqueles exagerados de açúcar, sal e gordura, representado nos snacks que encontramos na boca do caixa do supermercado, da padaria, no metrô e em todas as esquinas. São aqueles docinhos e salgadinhos que estão prontos para serem devorados, e que tipicamente custam pouco dinheiro. Calorias vazias. Segurar a tentação dos “agradinhos” não é fácil, por isso a crise global de obesidade só se agrava; no entanto, podemos encontrar um gatilho motivacional para a mudança de hábitos ao olhar os dados científicos que mostram como a ingestão de menos calorias do que o recomendado permite que o corpo se mantenha mais “limpo” de toxinas e que o sistema imune e os órgãos funcionem melhor e com menos sobrecarga. A The Economist dedicou uma edição ao tema que eu achei fascinante. Parte das evidências apresentadas vem de estudos realizados na Biosfera 2, um centro de pesquisa avançada localizado em Oracle, no Arizona. A Biosfera 2 é um tipo de “bolha” que permite testar inúmeras hipóteses sobre a vida na Terra com o mínimo de interferência externa, já que os participantes dos estudos tipicamente ficam confinados ao espaço da Biosfera, com controle sobre como se alimentam, se exercitam e dormem. Um highlight do que li na Economist:

Um dos oito biosferianos era Roy Walford, professor de patologia na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). Pesquisas realizadas por Walford e outros mostraram que restringir a alimentação dos animais poderia aumentar significativamente suas vidas. A expectativa de vida de vermes nematóides, moscas-das-frutas, roedores e cães poderia ser estendida em até 50% por meio de protocolos laboratoriais que lhes forneciam uma dieta com todos os nutrientes necessários em termos de minerais, vitaminas e afins, mas com menos calorias do que o considerado normal.

Pedi pra inteligência artificial (ai)produzir uma imagem relacionada à alimentação e longevidade e eis aqui o resultado. Repararam como a posição da mão esquerda está estranha? Bom, a ai impressiona mas ainda há falhas grosseiras, rs.

A Biosfera 2 permitiu a Walford testar a teoria em humanos que não tinham condições de sair para buscar lanches. Com uma ingestão diária de 1.750-2.100 calorias, os biosferianos, já magros para começar, emagreceram ainda mais. Mas após oito meses, seu peso se estabilizou. Embora estivessem magros, seus níveis de energia permaneceram altos. Exames de sangue mostraram respostas fisiológicas que correspondiam às dos roedores com restrição calórica e com expectativa de vida prolongada.

Eu sei que não é fácil, mas bora botar esse cérebro racional para trabalhar e convencer o emocional e primitivo sobre o que realmente nos faz bem.

Michael Moritz: por dentro da mente do melhor investidor de VC da história

Michael Moritz, aos 69 anos, é presença garantida em qualquer lista dos melhores investidores de venture capital da história. Muitos no setor o consideram o melhor de todos, o “Michael Jordan da indústria”. Como managing partner da Sequoia Capital, ele foi pioneiro em identificar e investir em gigantes que ainda dominam o mundo da tecnologia e da Internet, como Google, Yahoo, PayPal, Kayak e Skyscanner. Ele apostou nessas empresas em estágios iniciais, quando quase ninguém conhecia seus fundadores. Começou sua carreira como jornalista e hoje conta com uma fortuna pessoal estimada em mais de 5 bilhões de dólares, conquistada como fruto dos seus investimentos bem sucedidos.

Moritz in the Tenderloin neighborhood, outside the St. Anthony Foundation.
Michael Moritz em San Francisco, EUA

Escutar suas entrevistas e podcasts é inspirador e uma lição de humildade. Pragmaticamente, Michael defende que o sucesso passado não define o futuro, que reconhecer o que não sabemos é fundamental para a tomada de boas decisões, e a importância de estar cercado por pessoas excepcionais. Fica aqui a recomendação de uma entrevista que aborda desde sua visão sobre a crise no oriente médio até sua jornada em venture capital e sua forma de pensar. Entre tantas mensagens que ressoam comigo, uma das principais é sua crença de que investimentos de sucesso no early stage estão diretamente ligados à capacidade do investidor em ser um “student of people“: alguém que, mais do que números, busca entender a mente e o comportamento humanos. Fascinante. Segue parte da entrevista abaixo:

“Você não sente falta dos dias em que seu trabalho era ser o primeiro a identificar que uma equipe anônima de dez pessoas teria sucesso em iniciar uma empresa enorme?

Ontem, junto com Haim Sadger, conheci os fundadores de 20 pequenas empresas, algumas das quais ainda não têm um produto, e foi emocionante. Todas elas começam como azarões, como o ‘Davi’ que mencionamos antes, e enfrentam uma grande luta para tornar suas empresas bem-sucedidas.

Você acredita que é possível desenvolver a capacidade de reconhecer em um estágio inicial a empresa que vai se tornar enorme?

Não. Quando você investe em uma empresa como as que conhecemos ontem, espera que dê certo, que o produto seja recebido com entusiasmo pelos clientes, mas você não sabe disso em tempo real. Nunca estive envolvido em um investimento que se tornou um negócio muito bem-sucedido, sem temer antes que o negócio ia fracassar, nem uma vez sequer.

Nem mesmo quando você trabalhou com os fundadores do Google nos primeiros dias deles?

Mesmo assim. O modelo de negócios inicial era muito diferente do modelo de negócios que conhecemos hoje, e durante os primeiros oito meses do investimento a empresa perdeu uma quantidade enorme de dinheiro e eu temia que ficássemos sem caixa. No final, isso não aconteceu.

Estamos à beira da revolução da IA. O que você acha da indústria que surgiu em torno dela?

Há uma frenesi de investimentos enorme em torno de tudo relacionado à inteligência artificial hoje, e a maioria dessas empresas vai fracassar – assim como as primeiras empresas da Internet, que surgiram entre 1998 e 2000. Exceto que, dentre todas essas empresas, alguns negócios muito significativos cresceram, e o mesmo acontecerá com a inteligência artificial. Então, do ponto de vista dos investidores, muitos deles não ficarão muito felizes com sua inteligência artificial.”

Leia na íntegra aqui.

Não sabendo que era (quase) impossível, ela foi lá e fez

Estou relendo let my people go surfing, a história honesta e apaixonada da criação da Patagonia pela voz de Yvon Chouinard, seu fundador. Quem me acompanha sabe que eu sou fã da marca, produtos, narrativa e execução da Patagonia; inclusive, há um ano escrevi um artigo onde mergulhei no caso deles.

O que chamou a atenção nesta releitura é o relato de Kris McDivitt que, em 1979 e aos 29 anos de idade, assumiu a liderança da Patagonia e da Chouinard Equipment (a primeira empresa fundada por Chouinard que fabricava equipamentos de escalada).

Kris McDivitt, em 1974, que começou a trabalhar com Yvon ajudando a empacotar pedidos

Chouinard diz a Kris: “Aqui está a Patagonia. Aqui está a Chouinard Equipment. Faça o que quiser com elas. Eu vou escalar.”

Kris: “Eu não tinha experiência em negócios, então comecei a pedir conselhos gratuitos às pessoas. Eu simplesmente ligava para presidentes de bancos e empresas, dizendo: ‘Ei, recebi estas duas empresas para tocar e eu não faço ideia do que estou fazendo. Você poderia me ajudar?’

E eles ajudaram. Se você pedir ajuda às pessoas, admitindo que não sabe algo – elas farão de tudo para tentar ajudar. Então, a partir daí, comecei a construir a Patagonia. Eu era realmente a tradutora da visão e dos objetivos de Yvon para a empresa.”

Quantas vezes ficamos com um problema martelando na cabeça antes de abrir a boca para pedir ajuda? Perguntar não ofende e, se bem comunicado, você pode tocar o cérebro e o coração das pessoas e acabar ganhando mais amigos e apoiadores – sempre bem-vindos na jornada empreendedora.


Parece óbvio. Mas o óbvio precisa ser dito e relembrado: stay hungry, aprenda com os melhores – mantendo a humildade, curiosidade e consistência em seu trabalho-, e não sofra sozinho, peça ajuda.

Semana curta pela frente, bora fazer os dias renderem para curtir o feriado com sensação de merecimento.

Alex


Quando você começa a caminhar, o caminho aparece.

Rumi

Coragem ou loucura

Obrigado aos leitores que me acompanham nesta jornada. Escrevo com o objetivo de transbordar tudo o que gostaria de comunicar ao mundo através de reflexões leves e despretensiosas sobre o universo que habito.

Naturalmente, isso toca o mundo de venture capital, tech e empreendedorismo. Mas não queria que fosse o relatório de um banco de investimento, ou que focasse apenas no lado técnico desse mundo – já tem muita gente boa abordando esses aspectos. Olhando para dentro e entendendo os assuntos que me provocam e me fazem refletir e que, ao mesmo tempo, me dão prazer em analisar, escrever e compartilhar, o que está faltando nessa agenda é o lado humano da coisa. O comportamento que faz com que o indivíduo largue o caminho seguro para começar algo novo do zero, a determinação para seguir em frente e não desistir, a realização de sonhos, a vida como uma grande aventura. Esse é o lado de “venture” que me fascina. Essa, para mim, é a magia do empreendedorismo: a exploração e a conquista de novos territórios. A inspiração para o nome desta news vem daí :).

Black and White Mountain Wallpapers | Tranquil Mountain Landscapes |  Happywall

Em paralelo e bastante alinhado com tudo isso, a inspiração pulsa por aqui à medida que exploramos e experimentamos uma nova vida em família. Estar longe de casa me faz questionar e enxergar aquilo que a rotina oculta. Por isso a reflexão de hoje vem de uma conversa inspiradora que eu e o amigo Tiago Luz tivemos com o Riq Lima, co-fundador e CEO da Worldpackers. Há 2 semanas lançamos o podcast “Um Impossível por Vez“, seguindo o mantra que rege a vida do Tiago e com o qual eu tanto me identifico. O Riq é o nosso segundo convidado.

Riq, que é economista formado pela USP, largou o mundo de banco de investimento quando estava em plena ascensão profissional para explorar o mundo e a si mesmo. Com 24 anos e a grana curta, ele rodou por dezenas de países com um mochilão nas costas e muita sede por aprendizado, sendo chamado de “louco” pela família e amigos próximos. Apesar de jovem, seu salário na época era maior do que os salários somados dos seus pais, e o caminho para o sucesso tradicional já estava traçado. Só que não. Riq foi corajoso e seguiu em frente, embarcando no caminho do empreendedorismo na sequência e resolvendo um problema que conhecia bem: a busca por experiências autênticas e baratas. Neste ano, a Worldpackers comemora 10 anos e celebra o impacto em mais de 4,5 milhões de usuários cadastrados na plataforma, mais de 75 mil pessoas que estão vivendo experiências únicas neste momento, e uma empresa que respira os valores dos seus fundadores: facilitar a vivência de experiências fora da zona de conforto aos seus usuários enquanto cresce como negócio de forma sustentável, com margens atrativas e boa geração de caixa. Nesta conversa, refletimos sobre a diferença entre coragem e loucura. Foi um papo bem legal.

Refletindo sobre a rodagem até então, as pessoas que mais me inspiram e provocam têm um lado “louco” bastante pronunciado. São os que sabem o que querem, que têm a convicção para dizer não ao caminho batido e perseguir algo novo. Frequentemente quebram a cara, mas são os que têm as melhores histórias para contar. Histórias que manifestam presença, experiência, e autenticidade. Quando estava terminando o primeiro ano do meu MBA em Harvard, o Cesar Carvalho, que estava na minha turma, decidiu “trancar” o tão sonhado MBA para começar o que se transformou na Gympass. Quem larga o MBA de Harvard para empreender, num momento onde existiam poucos fundos e o capital era bastante limitado na América Latina? Só pode ser louco :).

Quer outra história inspiradora? O amigo Guilherme Bonifácio estava terminando a faculdade de Administração na USP e tinha duas escolhas: ou seguia o caminho de consultoria estratégica, onde poderia crescer rápido e ganhar dinheiro, ou se juntava a outros recém formados para ajudar a digitalizar um negócio de entrega de comida que recebia pedidos por fax. Foi chamado de louco por deixar o salário alto e o caminho do “sucesso” e se juntar ao time da DiskCook, que depois virou o iFood. Isso foi só o começo: o Gui ainda empreendeu na Rapiddo e na Mercê do Bairro.

Num outro papo inspirador que tive essa semana, a empreendedora Marina Proença me lembrou que coragem não é o oposto de ter medo. Coragem é reconhecer seus medos e abordá-los de forma racional, sentindo frio na barriga e transpirando a beleza da superação. Pessoalmente, acho que superação é o grande propósito da vida. Hoje melhor do que ontem, e a base de comparação sou eu mesmo.

Infelizmente, nossa sociedade prega a perfeição. Queremos parecer perfeitos em nossas carreiras, vidas pessoais, startups, etc. O custo dessa busca que valoriza o externo é um desalinhamento com o que vem de dentro e que realmente importa. Coragem é olhar para dentro e entender o que valorizamos verdadeiramente, fazendo esses valores manifestarem no mundo externo com autenticidade. Como diz Adam Grant, “autenticidade não se trata de expressar cada opinião que você tem. Trata-se de garantir que o que você diz (e faz) reflita o que você valoriza.”

Olhando para o Brasil, somos o país onde até pouco tempo atrás os melhores talentos sonhavam com o emprego público concursado e estável. Nossas livrarias e bancas de revistas ilustravam apostilas para “gabaritar”os concursos e alcançar a tão sonhada estabilidade. Em minha própria casa, minha mãe já disse algumas vezes “concurso público é que é bom”. Enquanto nos EUA, o que me chamava a atenção durante meus anos de MBA é que qualquer livraria oferecia uma abundância de livros que remetiam à construção de negócios grandes e disruptivos, com uma clara mensagem que demonstrava um dos valores do país: empreendedorismo.

Hoje a cena por aqui mudou muito. Graças ao volume de capital disponível para inovação e os casos de sucesso e liquidez para os empreendedores e investidores, os melhores talentos querem empreender. A maioria quer resolver problemas urgentes e relevantes, como o aquecimento global. Pode parecer controverso, mas é aqui que entra o poder do capitalismo e o valor do venture capital em fomentar a inovação de forma cada vez mais meritocrática.

Finalizando, sou pai da Aisha e do Kai. A Aisha é uma linda menina de 7 anos e na nossa casa incentivamos o máximo de exposição ao mundo e a superação dos medos, o que é particularmente importante para as meninas, que ainda são rotuladas e moldadas para serem sensíveis e perfeitas. Fica a dica deste TED: Teach girls bravery, not perfection.

Obrigado mais uma vez. Fico feliz em receber feedbacks e comentários sobre estas reflexões; fique à vontade para responder este email, comentar abaixo, ou me escrever no alex@letshike.io.

Let’s hike!

Alex

P.S. o trecho abaixo vem do livro The Good Life, que remete ao estudo sobre felicidade conduzido por Harvard há quase um século. Vale a leitura e reflexão, do trecho e do livro :).

“Há esses dois peixinhos nadando juntos, e eles se deparam com um peixe mais velho nadando na direção oposta, que acena para eles e diz: ‘Bom dia, rapazes. Como está a água?’ E os dois peixinhos nadam por um tempo, e então, eventualmente, um deles olha para o outro e pergunta: ‘O que diabos é água?’

Toda cultura, desde a cultura ampla de uma nação até a cultura dentro de uma família, é parcialmente invisível para seus participantes. Existem suposições importantes, julgamentos de valor e práticas que criam a água na qual nadamos sem que percebamos ou concordemos com elas. Simplesmente nos encontramos neste mundo e seguimos em frente. Esses elementos da cultura afetam praticamente tudo em nossas vidas, muitas vezes de maneiras positivas, conectando-nos uns aos outros e criando identidades e significado. Mas há um lado negativo. Às vezes, mensagens e práticas culturais nos direcionam para longe do bem-estar e da felicidade.”

Robert Waldinger, The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness

Fora da curva

Sucesso sem obsessão é possível? Bem, depende de como você define sucesso — portanto a resposta é que sim, é possível encontrar e viver a sua definição de sucesso sem obsessão. Agora, se estamos falando de atingir resultados fora da curva, que se destacam da maioria, que vão além da média, minha conclusão é que não. Não acredito que seja possível ser notável sem um investimento igualmente acima da média de tempo, foco e energia. Independentemente da área, até hoje não encontrei nenhum outlier que não tenha investido muito para conquistar seus resultados. Quem promete o contrário está mentindo. Não tem fórmula mágica. É uma mistura de suor, lágrimas e … risadas, porque dificilmente alguém consegue ir além da “média” se não estiver se divertindo e ganhando energia com o processo.

Eu sou apaixonado por esportes e por mexer o corpo, e o triatleta alemão Jan Frodeno é um cara que me chama a atenção. Jan foi medalhista de ouro no triatlo masculino nos Jogos Olímpicos de Verão de 2008 em Pequim. Venceu por três vezes o Campeonato Mundial Ironman, em 2015, 2016 e 2019, e duas vezes o Campeonato Mundial Ironman 70.3, em 2015 e 2018. Estabeleceu o recorde mundial para a longa distância em 2016, com o tempo de 7:35:39 horas (a média masculina deste esporte que é por definição brutal é de 13 horas). Em 2021, quebrou seu próprio recorde com um tempo de 07:27:53, estabelecendo um novo melhor mundial para o triatlo de longa distância. Quem vê o cara nas redes sociais parece que é fácil. Será mesmo?

Jan se aposentou do triatlo competitivo há pouco, mas continua vivendo com intensidade. Mergulhei na sua história para entender como a rotina de treinos e nutrição dele se comparava a outros atletas, porque quem olha de fora tem a impressão que sua vida é suave e linear, e às vezes atribuímos resultados extraordinários à sorte ou à genética (que não deixa de ser sorte). Não é o caso de Jan, e acho que não é o caso de ninguém que é foda no que faz. Triatletas profissionais treinam em média 30 horas por semana, Jan chega a treinar 45. Acompanhando um vídeo que mostra sua rotina, o clássico “day in the life”, me impressionou que seu dia começa às 5.30am na piscina, segue para uma corrida de 10Km ao ar livre, 65Km de bike pela estrada, treino de bike e fortalecimento indoor e, para finalizar o dia, treino de tiro de corrida ao anoitecer. Veja o que ele fala: “enquanto meus concorrentes estão sentados na mesa de jantar comendo, o fim do dia é meu horário favorito de treinar. Eu sei que estou me martelando, dando o meu melhor, indo até o limite”. Não é genética, não é sorte; é processo, disciplina, consistência, suor. É obsessão. A versão light desta mensagem, conforme dizemos na Faria Lima, é o clássico “there’s no free lunch“, ou “não existe almoço grátis”.

Jan Frodeno takes career-defining win at PTO US Open - Triathlon Magazine  Canada
Jan Frodeno em uma de suas últimas provas como triatleta profissional no PTO US Open em 2023

Para nós, mortais que mesmo que com muita vontade não poderíamos treinar 40 horas por semana porque treino não paga boletos, não é diferente. O desafio é encontrar o que te energiza de verdade para então dedicar as horas, disciplina e foco necessários para construir histórias e resultados excepcionais. Esqueça a narrativa de seguir sua paixão: as paixões mudam com a maturidade e à medida que vivemos e aprendemos, mas nossas fontes de energia tendem a se manter bem mais constantes. A maioria segue o status quo, percorrendo rotas já batidas daquilo que é considerado sucesso pela massa. Ao seguir aquilo que não conversa de verdade com o que lhe gera energia, as pessoas se conformam em navegar na mediocridade e param de questionar e buscar. A realidade é que quando entregar além da média se torna um fardo a conta não fecha; mesmo com insistência, não será um caminho sustentável. É a fonte do burnout e outras mazelas. Para a conta fechar, é preciso que o suor, e as vezes até as lágrimas, seja um combustível interno que deixa o motor mais forte e melhor. É preciso amar o processo — ou a jornada, como eu gosto de chamar.

E o equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Acho difícil ter uma vida consistentemente equilibrada. Às vezes o pêndulo pesa para o profissional, especialmente em momentos de grandes entregas e quando abraçamos projetos novos; em outros momentos, é necessário que dediquemos mais tempo ao pessoal. Nunca é 50:50. Obsessão e grandes entregas estão também relacionadas a foco, e não somente a horas investidas. Saber dizer não, eliminar os ruídos, cortar aquilo que não conversa com a história que está sendo escrita é prerrogativa para uma vida rica, com entregas profissionais fora da curva e a construção de uma família. Por isso é importante saber: que história está sendo criada? Em business, chamamos isso de estratégia, mas a pergunta é relevante a tudo e a todos.

Que história você está construindo?

Alex

É tão simples: gaste menos do que você ganha. Invista com inteligência. Evite pessoas tóxicas e atividades tóxicas. Tente continuar aprendendo durante toda a sua vida. E pratique muita gratificação adiada. Se você fizer todas essas coisas, é quase certo que terá sucesso. E se não fizer, você vai precisar de muita sorte. E você não quer precisar de muita sorte. Você quer entrar em um jogo onde é muito provável que você ganhe sem precisar de sorte incomum.

Charlie Munger

Jobs to be Done: entendendo a dor do usuário por uma nova ótica

Era fevereiro de 2013 e eu cursava o quarto e último semestre do meu MBA na Harvard Business School quando me deparei com a teoria que mudou minha forma de enxergar e trabalhar com desenvolvimento de produtos. Como parte do curso Building and Sustaining a Successful Enterprise (BSSE), o professor Clayton Christensen nos apresentou a Jobs to be Done, uma ferramenta que nos permite entender exatamente por que estamos “contratando” produtos e serviços. Dos mais de 500 cases e ferramentas de gestão estudados em 2 anos de curso, a Jobs to be Done me marcou profundamente e vale uma revisita a este legado do incrível professor Christensen.

A teoria Jobs to be Done foi desenvolvida inicialmente pelo professor Clayton Christensen da Harvard Business School e seus colegas Scott Cook e Taddy Hall. Christensen é um renomado autor e palestrante na área de inovação e é conhecido por seu trabalho sobre a teoria da inovação disruptiva.

A ideia de Jobs to be Done surgiu quando Christensen e seus colegas estavam estudando por que algumas empresas bem-sucedidas, como a Kodak, fracassaram ao tentar se adaptar às mudanças no mercado e a outras tecnologias emergentes. Eles descobriram que muitas empresas se concentram demais em características e benefícios de produtos e serviços existentes, em vez de se concentrarem nas necessidades fundamentais dos clientes.

A partir dessa pesquisa, Christensen e seus colegas começaram a desenvolver a framework Jobs to be Done, que se concentra em entender os “trabalhos” que os clientes estão tentando realizar em suas vidas e como as empresas podem atender a essas necessidades de forma mais assertiva. A teoria rapidamente ganhou popularidade em muitos setores, incluindo tecnologia, onde é amplamente utilizada para orientar a inovação e o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Importante destacar os aspectos funcionais e emocionais da Jobs to be Done. A dimensão funcional se concentra nas necessidades práticas dos clientes, enquanto a dimensão emocional se concentra nas necessidades mais profundas e subjetivas dos clientes, como suas motivações, sentimentos e desejos.

A dimensão funcional da Jobs to be Done envolve identificar os trabalhos específicos que os clientes estão tentando realizar e os obstáculos que enfrentam ao tentar concluir esses trabalhos. Isso pode incluir coisas como encontrar uma solução para um problema específico, cumprir uma obrigação ou tarefa, ou alcançar um objetivo específico.

Por outro lado, a dimensão emocional da Jobs to be Done envolve compreender as motivações, sentimentos e desejos subjacentes dos clientes. Isso pode incluir coisas como o desejo de se sentir seguro, confortável ou conectado a outras pessoas. Ao entender essas necessidades emocionais, as empresas podem criar soluções que atendam às necessidades profundas e subjetivas dos clientes, criando uma conexão emocional com eles e portanto aumentando sua defensibilidade perante a concorrência.

Para aplicar a ferramenta Jobs to be Done, as empresas precisam entender quais são os trabalhos específicos que seus clientes estão tentando realizar e como seus produtos e serviços podem ajudá-los a realizar esses trabalhos de forma mais eficiente ou eficaz. Isso envolve conversar com os clientes, observá-los usando os produtos e serviços existentes, e analisar os dados para entender o comportamento do cliente.

Por exemplo, o Airbnb entendeu que muitas pessoas procuravam acomodações autênticas e únicas que lhes permitissem vivenciar a cultura local durante suas viagens. Eles projetaram uma plataforma que conecta os viajantes com anfitriões locais que oferecem acomodações únicas e personalizadas em todo o mundo, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. O funcional é encontrar um lugar para dormir enquanto estiver viajando, o emocional é viver experiências surpreendentes e criar memórias únicas, o que poucos hotéis conseguem entregar.

Outro exemplo é a Dropbox, que entendeu que muitas pessoas procuravam uma forma segura e conveniente de acessar e compartilhar arquivos de qualquer lugar e dispositivo. Eles projetaram uma plataforma de armazenamento em nuvem que permite aos usuários sincronizar arquivos em todos os seus dispositivos e compartilhar arquivos facilmente com outras pessoas, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. Neste caso, o aspecto funcional é muito mais relevante do que o emocional, no entanto oferecer uma experiência fácil, simples e esteticamente elegante contribui para encantar o usuário no aspecto emocional.

Aqui no Brasil, gosto sempre de lembrar do exemplo do iFood, onde trabalhei como estrategista. No aspecto funcional, o óbvio é que o iFood é contratado para saciar a fome. Porém, e mais importante, descobrimos que (emocionalmente) o iFood é contratado para realizar o trabalho de permitir mais tempo ao usuário, evitando que ele tenha que sair de casa ou preparar alimentos em sua cozinha, o que resulta em mais tempo de qualidade em relacionamentos afetivos. O funcional é tipicamente mais fácil de ser substituído (ex. um lanche improvisado, uma ida a padaria da esquina, comida congelada), porém o emocional costuma trazer vantagens mais duradouras, especialmente se combinado a uma ótima experiência do usuário. Como saciar a fome e precisar de mais tempo de qualidade com pessoas queridas são necessidades recorrentes, temos aqui um modelo de negócios maravilhoso.

Para os interessados, vale a leitura dos artigos e livros do professor Christensen, especialmente o artigo “Know your customer’s Jobs to be Done” e o livro “The Innovators Dilemma“. Mais importante do que isso, reflita profundamente sobre o que você e sua empresa estão fazendo e responda: para qual trabalho estão sendo contratados?

O tal do product-market fit

Para as startups que estão dando a largada (pre-Seed e Seed), há apenas uma coisa na qual os fundadores devem se concentrar obsessivamente: encontrar o o tal do product-market it (PMF). No comecinho, é muito melhor ter um pequeno grupo de clientes (idealmente adquiridos a baixo custo) altamente engajados com seu produto do que uma grande audiência que se envolve superficialmente. Eu me convenço que uma startup alcançou o PMF quando uma parte relevante de seus usuários demonstra amar o produto a ponto de pagar o preço correto, recomendá-lo a outros usuários e usá-lo novamente. Importante destacar o “pagar o preço correto”, porque oferecer um produto ou serviço de forma subsidiada constantemente leva a um resultado falso-positivo. É melhor não enganar a si mesmo e olhar os dados de forma fria e objetiva, praticando o preço correto (leia-se margem de contribuição saudável, idealmente acima de 50% para software).

Um exemplo claro é o iFood: em 2017, eu era o estrategista-chefe quando analisamos nossas cohorts de clientes e ficou evidente que, para cada 100 clientes que pediam comida pela primeira vez através da plataforma, 30 continuariam comprando pelo menos uma vez por mês pelos próximos 30 meses (naquela época esse era o limite para o life time value (LTV)). Isso, combinado com dados sobre os perfis de usuários e restaurantes na maioria das cidades brasileiras, tornou as decisões de investimento internas fáceis: sabíamos o LTV de cada cliente e estávamos dispostos a investir até 30% desse valor para adquirir novos usuários, entendendo que o mercado inexplorado era enorme. Naquela época, a maioria das pessoas ainda pediam comida pelo telefone. Os dados internos sobre o comportamento do cliente (retenção e taxa de recompra) comprovaram o PMF, o que, combinado com os dados externos sobre o tamanho da oportunidade, tornou óbvio para os acionistas que a empresa transformaria o dinheiro dos investidores em clientes valiosos que se fidelizavam por um longo tempo (usuário) e pagavam pelo seu serviço (usuário e restaurante). Uma empresa com PMF claro e um mercado endereçável grande e fragmentado é um ativo incrível para os investidores, pois pode alavancar capital para criar uma empresa dominante que está encaminhada para gerar fluxos de caixa atraentes. Claro, os mercados são inteligentes e com certeza haverá competição em indústrias que crescem rápido e com boas margens, portanto a inovação, o foco e a capacidade de execução são fundamentais para vencer. Aqui, conhecemos a história da intensa concorrência com UberEats e Rappi.

O objetivo de uma empresa pré-Série A é comprovar o PMF, então todos o foco da CEO e os recursos da empresa devem ser dedicados a isso. No início, a CEO deve fazer todas as vendas, o CTO deve falar com os clientes com frequência para entender os pontos de dor do usuário diretamente, o marketing deve ser hipersegmentado para entender as mensagens que ressoam melhor com diferentes públicos-alvo que podem se engajar mais profundamente com o produto. Levantar uma Série A sem PMF deve ser interpretado como um sinal de “o mercado está nos dando uma segunda chance de comprovar o PMF”, e não como se a empresa estivesse pronta para crescer fazendo mais do mesmo e houvesse apenas motivo para comemorar.

Abaixo está um exemplo fictício de uma linda análise de cohort que mostra a porcentagem de usuários que permanecem ativos desde a criação da conta, usando o produto com uma frequência mínima para serem definidos como “ativos” (que pode variar do uso diário ao mensal). Como seus cohorts se comparam?

Encontrar o PMF é difícil e apenas algumas empresas o alcançam com seu produto inicial. Após a captação de rodadas pre-Seed e Seed, eu já vi equipes pivotando e eventualmente encontrando algo que funciona, mas a realidade é: quanto mais conhecimento você tiver sobre o problema que deseja resolver, quem é o cliente e a solução que deseja oferecer, maiores serão as chances de acertar o alvo e iniciar sua empresa com o pé direito. É muito mais barato testar o real tamanho do problema, o usuário ideal e atratividade da sua solução antes de captar uma rodada de investimentos parruda.

Quer saber mais? Eu recomendo a leitura de 12 things about product-market fit, do Tren Griffin – no final do artigo ele cita várias referências para quem quiser se aprofundar mais.

Resiliência: o quê, por que e como

“Mais do que educação, mais do que experiência, mais do que treinamentos, o nível de resiliência de um indivíduo determinará quem terá sucesso e quem se perderá pelo caminho. Isso é verdade para pacientes com câncer, é verdade para atletas olímpicos, e é verdade para executivos e empreendedores na sala de reunião”, afirma Dean Becker num artigo de 2002 da Harvard Business Review. Resiliência, portanto, é a habilidade de controlar sua resposta a situações física ou mentalmente estressantes. A ciência mostra que quanto mais resiliente o indivíduo é mais longe ele irá na sua vida pessoal e profissional. Faz sentido. Sucesso é a o reflexo de inúmeras quedas e derrotas que foram encaradas como oportunidades de aprendizado e crescimento.

Na minha experiência convivendo e trabalhando com indivíduos extremamente talentosos – em Harvard, na Nestlé, na McKinsey, na Fullbridge e pelo mundo – fica claro que os mais interessantes são aqueles que passaram por adversidades as vezes pesadas e tiveram força para se reerguer ainda maiores. Eles tem uma energia interna contagiante, empatia e humanidade ao mesmo tempo que demonstram força e determinação certeira. Exemplo? Liz Kwo, minha colega e co-coach no programa que recentemente concluímos em Shanghai pela Fullbridge: nascida em Taipei de mãe solteira, pobre, imigrou ilegalmente aos Estados Unidos com a mãe e a irmã quando ainda bebê. Em San Francisco, onde chegaram de navio, moravam numa garagem enquanto a mãe suava em empregos simples para trazer comida pra “casa”. Ela tinha tudo pra dar errado na vida, mas hoje suas paredes ilustram diplomas da Stanford, Harvard Medical School e Harvard Business School, simplesmente as melhores instituições de educação do mundo. Como? Porque ela sabia que sua única chance seria através da educação e mérito, o qual ela demonstrou sempre sendo a aluna mais engajada, curiosa e determinada. Escutando ela falar fica claro que sua jornada não foi fácil ou romântica, mas ela diz “toda vez que eu me sentia como uma perdedora, alguém marcado para falir, viver na pobreza e ser uma vítima de um mundo injusto e cruel eu fechava os olhos e lembrava que o esforço da minha mãe tinha que valer a pena, e aí eu liberava a fera dentro de mim”. É inspirador escutar isso dela, ainda mais porque suas palavras saem sem dor ou rancor; ela conta sua história com orgulho, suavidade, humanidade ilustrada com vulnerabilidade e determinação para continuar em frente.       

 Claramente, o indivíduo resiliente não é aquele que evita stress de toda e qualquer forma, mas sim aquele que aprende como controlá-lo e transformá-lo em energia produtiva. A pessoa resiliente provavelmente entortará, mas não quebrará, quando confrontada com adversidade, traumas, tragédias e ameaças. Ela é, na maior parte do tempo, ativa e não passiva em relação ao o que acontece a seu redor e em sua vida, sempre acreditando ser autora do seu presente e futuro, e não uma vítima do seu passado.

Bom, mas felizmente muitos de nós não passaram por situações dramaticamente impactantes que balancem nossos valores e nos façam questionar nossa missão no mundo, o que frequentemente se ouve de gente extremamente resiliente (já ouviu a história de alguém que sobreviveu um grave acidente ou doença?). Então, o que fazer se sua vida é confortável e relativamente linear? Os cientistas Steven Southwick e Dennis Charney, da Yale University School of Medicine, recomendam 4 estratégias comprovadas cientificamente para dar um boost em sua resiliência:

Trabalhe com seu físico: fisiologicamente, atividade física moderada promove a liberação de endorfina e dos neurotransmissores dopamina e serotonina, os quais reduzem sintomas de depressão e melhoram o humor. Um experimento com animais mostrou que correr frequentemente diminui fobias diversas e aumenta a coragem para exploração de novos ambientes. O recomendado é uma hora e 15 minutos por semana de atividade aeróbica intensa como corrida e natação, ou duas horas e 30 minutos de atividades moderadas como caminhada, por exemplo.

Aceite desafios e saia da zona de conforto: dar uma passo além do que você normalmente faria, seja nas férias, no final de semana, ou no trabalho, estica sua zona de conforto e potencialmente aumenta sua segurança. Não há limites e cada um sabe o que isso significa para si, mas pode ser vencer um medo, fazer uma apresentação num idioma novo, explorar um outro país com poucos recursos e infraestrutura, ou começar a dizer não ao invés de sempre se moldar para agradar os outros.

Medite, e desenvolva uma visão positiva do mundo: meditar frequentemente pode lhe trazer clareza, foco e facilitar a priorização de onde investir sua energia. Meditar lhe conecta com o presente, evitando lamentações sobre o passado e preocupações excessivas com o futuro. Isso comprovadamente reduz o stress e lhe permite maior controle sobre sua vida e decisões, lhe tornando uma pessoa mais segura e determinada.

Amigos & relações humanas: finalmente, a última tática para aumentar resiliência o estimula a passar mais tempo com pessoas com as quais você demonstra aceitação, respeito e admiração mútua. Só funciona, no entanto, se você estiver realmente conectado aquela pessoa e poder contar com ela para conselhos, dicas ou apenas um ombro amigo. Ajuda se sua network for recheada de indivíduos que são exemplos de resiliência em pessoa, pois você terá role models a observar e seguir. Imitar comportamentos e práticas que deixam os outros mais fortes também pode ser de alto valor. Por exemplo, quando estiver desanimado e pronto pra desistir vale lembrar que existe uma “fera” dentro de cada um de nós, como diria minha colega Liz.

Finalmente, escrever sua história ciente de que você é autor e protagonista, de que você decide gastar mais tempo comemorando pequenas vitórias do que lamentando sobre como o mundo é injusto com você, aumenta sua motivação, determinação, produtividade e, ultimamente, felicidade. É por isso que as universidades e empresas mais concorridas do mundo esperam escutar histórias de superação e resiliência em seus processos seletivos. Dado tudo isso, eu pergunto a você, leitor, e também a mim mesmo: qual o próximo capítulo?

Não sabe contar sua história? Então você não tem uma estratégia

A arte de articular seu passado, presente e futuro de forma coerente, ambiciosa e inspiradora é crítica para orientar o foco e energia no que, de fato, fará esta história se realizar. Desde sempre a raça humana conta histórias para dar sentido a sua existência, para explicar o inexplicável e organizar a complexidade do mundo e da vida de forma clara, interessante e, quase sempre, carregada de emoção. Como então usar o storytelling para amarrar a sua própria narrativa com autenticidade e desenhar uma estratégia pessoal projetando o melhor que você pode ser?

Como não lembrar das fábulas contadas quando criança, dos filmes que marcaram época, de novelas de sucesso ou de propagandas emocionantes? A dinâmica narrativa está no DNA da comunicação humana e, desde as primeiras pinturas rupestres, contar histórias tem sido um dos nossos métodos de comunicação mais importantes. Todos nos lembramos e gostamos de uma boa história, seja um romance, um livro ou simplesmente uma novidade que um amigo está nos contando. Pensamos em narrativas durante todo o dia e consciente ou inconscientemente formamos histórias para cada ação e conversa, sendo que 65% de nossas conversas são formadas por histórias.

Jonathan Gottschall, em seu livro The storytelling animal — how stories make us human, reforça a ideia da universalidade da presença das histórias na espécie humana. Segundo o autor, somos uma espécie completamente atrelada a um mundo cheio de contos, e não só durante a infância. E por que histórias são um objeto tão fascinante para a imaginação humana? Por que o formato de uma história, onde se desenrolam os acontecimentos, um após o outro têm um impacto tão profundo em nossa aprendizagem?

A resposta basicamente está no fato de estarmos ligados através das histórias. Histórias naturalmente educam, alertam e influenciam quem as ouve. Aquilo que nos é contado desde a infância torna-se parte do que somos como pessoas. Histórias engajam e geram emoções e conexões em níveis intangíveis que nem sempre conscientemente compreendemos. Histórias são capazes de gerar empatia. Cientificamente, não são apenas as partes de processamento de linguagem em nosso cérebro que são ativadas, mas toda a área de nosso cérebro, fazendo com que entremos em modo de atenção plena.

E é com este poder de alcance e influência, que o storytelling passa a ser uma ferramenta importante não só para negócios, mas para a definição de sua identidade pessoal e profissional. Por definição, storytelling é a arte de contar histórias e consiste em uma maneira de utilizar narrativas para compartilhar informações, conhecimentos e experiências. Empresas vêm utilizando esta ferramenta para vender serviços e produtos. Elas exploram emoções universais como o casamento ou nascimento de um filho e, ao contar histórias tão pessoais, íntimas e únicas (e igualmente tão comuns ao público), um diálogo singular é formado entre os produtos e serviços da marca e seus potenciais consumidores. No ambiente corporativo, o storytelling ajuda a conectar pessoas, alimentar a criatividade, inspirar, engajar e mobilizar equipes, aumentando a capacidade de um time de se apropriar dos objetivos estratégicos da empresa. A própria definição e comunicação destes objetivos estratégicos deve fazer parte de uma boa história: começamos com A, desenvolvemos B, aprendemos C e por isso nossa estratégia é crescer com D.

Da mesma forma, o uso da narrativa auxilia pessoas a ilustrarem sua trajetória e a construírem sua estratégia pessoal. Quem é você? O que você fez, faz e quer fazer? Quais os momentos mais definidores da sua história, aqueles que moldaram sua forma de entender o mundo e o seu papel nele? Levando em consideração toda a sua vivência pessoal e profissional, pontos fortes e fracos e aspirações, qual sua estratégia de carreira e de vida? Qual sua missão, onde você quer estar em cinco e dez anos e quais decisões e investimentos deve fazer agora para que isso aconteça? Ao descobrir e estruturar sua própria história, você passa a alcançar e se conectar a audiência de forma mais significativa e profunda. Uma boa história capta a atenção, relaciona eventos formando uma ideia completa e deixando uma impressão duradoura ao fim. Para tanto, o processo de estruturação de sua história deve iniciar com uma autorreflexão. É imprescindível que você tenha este momento de introspecção e percorra o seu passado, identificando seus pontos fortes e fracos e os momentos da sua vida que influenciaram o que você é hoje. O que te inspirou a buscar por esta carreira? Que evento determinou uma mudança de planos? Quais valores e princípios norteiam suas decisões?

Como ouvintes, gostamos de entender o porquê de alguém estar fazendo algo. Com uma história bem articulada, você supre a necessidade do elemento humano nas relações interpessoais de entender de onde você vem, o que determinou o que você é hoje, no que você acredita e no que você luta contra. Toda história deve ter um início que desperte o interesse, uma continuação que segure a atenção com elementos de suspense e questionamento e um fim que deixe uma percepção positiva. Sua história deve ser marcada por um desafio e uma escolha a ser feita, por suas ações e no que tudo isto resultou. Ao transmitir estes elementos e comunicar sua trajetória de uma maneira autêntica, você estabelece uma conexão emocional e ganha a confiança do seu público, facilitando o trabalho de persuasão e garantindo que sua identidade seja percebida de forma autêntica e marcante.

O storytelling é sobre encontrar formas de integrar história, valores e público em uma narrativa convincente e apaixonante. Você é o personagem da sua história e é hora de desenvolvê-la e comunicá-la de forma impactante e autêntica. Afinal, nós somos as histórias que contamos. E entãoqual história você contará aos seus netos?

Artigo originalmente escrito por Alex Anton e Francine Zucco e publicado na Harvard Business Review Brasil em 2016.