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Coragem ou loucura

Obrigado aos leitores que me acompanham nesta jornada. Escrevo com o objetivo de transbordar tudo o que gostaria de comunicar ao mundo através de reflexões leves e despretensiosas sobre o universo que habito.

Naturalmente, isso toca o mundo de venture capital, tech e empreendedorismo. Mas não queria que fosse o relatório de um banco de investimento, ou que focasse apenas no lado técnico desse mundo – já tem muita gente boa abordando esses aspectos. Olhando para dentro e entendendo os assuntos que me provocam e me fazem refletir e que, ao mesmo tempo, me dão prazer em analisar, escrever e compartilhar, o que está faltando nessa agenda é o lado humano da coisa. O comportamento que faz com que o indivíduo largue o caminho seguro para começar algo novo do zero, a determinação para seguir em frente e não desistir, a realização de sonhos, a vida como uma grande aventura. Esse é o lado de “venture” que me fascina. Essa, para mim, é a magia do empreendedorismo: a exploração e a conquista de novos territórios. A inspiração para o nome desta news vem daí :).

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Em paralelo e bastante alinhado com tudo isso, a inspiração pulsa por aqui à medida que exploramos e experimentamos uma nova vida em família. Estar longe de casa me faz questionar e enxergar aquilo que a rotina oculta. Por isso a reflexão de hoje vem de uma conversa inspiradora que eu e o amigo Tiago Luz tivemos com o Riq Lima, co-fundador e CEO da Worldpackers. Há 2 semanas lançamos o podcast “Um Impossível por Vez“, seguindo o mantra que rege a vida do Tiago e com o qual eu tanto me identifico. O Riq é o nosso segundo convidado.

Riq, que é economista formado pela USP, largou o mundo de banco de investimento quando estava em plena ascensão profissional para explorar o mundo e a si mesmo. Com 24 anos e a grana curta, ele rodou por dezenas de países com um mochilão nas costas e muita sede por aprendizado, sendo chamado de “louco” pela família e amigos próximos. Apesar de jovem, seu salário na época era maior do que os salários somados dos seus pais, e o caminho para o sucesso tradicional já estava traçado. Só que não. Riq foi corajoso e seguiu em frente, embarcando no caminho do empreendedorismo na sequência e resolvendo um problema que conhecia bem: a busca por experiências autênticas e baratas. Neste ano, a Worldpackers comemora 10 anos e celebra o impacto em mais de 4,5 milhões de usuários cadastrados na plataforma, mais de 75 mil pessoas que estão vivendo experiências únicas neste momento, e uma empresa que respira os valores dos seus fundadores: facilitar a vivência de experiências fora da zona de conforto aos seus usuários enquanto cresce como negócio de forma sustentável, com margens atrativas e boa geração de caixa. Nesta conversa, refletimos sobre a diferença entre coragem e loucura. Foi um papo bem legal.

Refletindo sobre a rodagem até então, as pessoas que mais me inspiram e provocam têm um lado “louco” bastante pronunciado. São os que sabem o que querem, que têm a convicção para dizer não ao caminho batido e perseguir algo novo. Frequentemente quebram a cara, mas são os que têm as melhores histórias para contar. Histórias que manifestam presença, experiência, e autenticidade. Quando estava terminando o primeiro ano do meu MBA em Harvard, o Cesar Carvalho, que estava na minha turma, decidiu “trancar” o tão sonhado MBA para começar o que se transformou na Gympass. Quem larga o MBA de Harvard para empreender, num momento onde existiam poucos fundos e o capital era bastante limitado na América Latina? Só pode ser louco :).

Quer outra história inspiradora? O amigo Guilherme Bonifácio estava terminando a faculdade de Administração na USP e tinha duas escolhas: ou seguia o caminho de consultoria estratégica, onde poderia crescer rápido e ganhar dinheiro, ou se juntava a outros recém formados para ajudar a digitalizar um negócio de entrega de comida que recebia pedidos por fax. Foi chamado de louco por deixar o salário alto e o caminho do “sucesso” e se juntar ao time da DiskCook, que depois virou o iFood. Isso foi só o começo: o Gui ainda empreendeu na Rapiddo e na Mercê do Bairro.

Num outro papo inspirador que tive essa semana, a empreendedora Marina Proença me lembrou que coragem não é o oposto de ter medo. Coragem é reconhecer seus medos e abordá-los de forma racional, sentindo frio na barriga e transpirando a beleza da superação. Pessoalmente, acho que superação é o grande propósito da vida. Hoje melhor do que ontem, e a base de comparação sou eu mesmo.

Infelizmente, nossa sociedade prega a perfeição. Queremos parecer perfeitos em nossas carreiras, vidas pessoais, startups, etc. O custo dessa busca que valoriza o externo é um desalinhamento com o que vem de dentro e que realmente importa. Coragem é olhar para dentro e entender o que valorizamos verdadeiramente, fazendo esses valores manifestarem no mundo externo com autenticidade. Como diz Adam Grant, “autenticidade não se trata de expressar cada opinião que você tem. Trata-se de garantir que o que você diz (e faz) reflita o que você valoriza.”

Olhando para o Brasil, somos o país onde até pouco tempo atrás os melhores talentos sonhavam com o emprego público concursado e estável. Nossas livrarias e bancas de revistas ilustravam apostilas para “gabaritar”os concursos e alcançar a tão sonhada estabilidade. Em minha própria casa, minha mãe já disse algumas vezes “concurso público é que é bom”. Enquanto nos EUA, o que me chamava a atenção durante meus anos de MBA é que qualquer livraria oferecia uma abundância de livros que remetiam à construção de negócios grandes e disruptivos, com uma clara mensagem que demonstrava um dos valores do país: empreendedorismo.

Hoje a cena por aqui mudou muito. Graças ao volume de capital disponível para inovação e os casos de sucesso e liquidez para os empreendedores e investidores, os melhores talentos querem empreender. A maioria quer resolver problemas urgentes e relevantes, como o aquecimento global. Pode parecer controverso, mas é aqui que entra o poder do capitalismo e o valor do venture capital em fomentar a inovação de forma cada vez mais meritocrática.

Finalizando, sou pai da Aisha e do Kai. A Aisha é uma linda menina de 7 anos e na nossa casa incentivamos o máximo de exposição ao mundo e a superação dos medos, o que é particularmente importante para as meninas, que ainda são rotuladas e moldadas para serem sensíveis e perfeitas. Fica a dica deste TED: Teach girls bravery, not perfection.

Obrigado mais uma vez. Fico feliz em receber feedbacks e comentários sobre estas reflexões; fique à vontade para responder este email, comentar abaixo, ou me escrever no alex@letshike.io.

Let’s hike!

Alex

P.S. o trecho abaixo vem do livro The Good Life, que remete ao estudo sobre felicidade conduzido por Harvard há quase um século. Vale a leitura e reflexão, do trecho e do livro :).

“Há esses dois peixinhos nadando juntos, e eles se deparam com um peixe mais velho nadando na direção oposta, que acena para eles e diz: ‘Bom dia, rapazes. Como está a água?’ E os dois peixinhos nadam por um tempo, e então, eventualmente, um deles olha para o outro e pergunta: ‘O que diabos é água?’

Toda cultura, desde a cultura ampla de uma nação até a cultura dentro de uma família, é parcialmente invisível para seus participantes. Existem suposições importantes, julgamentos de valor e práticas que criam a água na qual nadamos sem que percebamos ou concordemos com elas. Simplesmente nos encontramos neste mundo e seguimos em frente. Esses elementos da cultura afetam praticamente tudo em nossas vidas, muitas vezes de maneiras positivas, conectando-nos uns aos outros e criando identidades e significado. Mas há um lado negativo. Às vezes, mensagens e práticas culturais nos direcionam para longe do bem-estar e da felicidade.”

Robert Waldinger, The Good Life: Lessons from the World’s Longest Scientific Study of Happiness

Fora da curva

Sucesso sem obsessão é possível? Bem, depende de como você define sucesso — portanto a resposta é que sim, é possível encontrar e viver a sua definição de sucesso sem obsessão. Agora, se estamos falando de atingir resultados fora da curva, que se destacam da maioria, que vão além da média, minha conclusão é que não. Não acredito que seja possível ser notável sem um investimento igualmente acima da média de tempo, foco e energia. Independentemente da área, até hoje não encontrei nenhum outlier que não tenha investido muito para conquistar seus resultados. Quem promete o contrário está mentindo. Não tem fórmula mágica. É uma mistura de suor, lágrimas e … risadas, porque dificilmente alguém consegue ir além da “média” se não estiver se divertindo e ganhando energia com o processo.

Eu sou apaixonado por esportes e por mexer o corpo, e o triatleta alemão Jan Frodeno é um cara que me chama a atenção. Jan foi medalhista de ouro no triatlo masculino nos Jogos Olímpicos de Verão de 2008 em Pequim. Venceu por três vezes o Campeonato Mundial Ironman, em 2015, 2016 e 2019, e duas vezes o Campeonato Mundial Ironman 70.3, em 2015 e 2018. Estabeleceu o recorde mundial para a longa distância em 2016, com o tempo de 7:35:39 horas (a média masculina deste esporte que é por definição brutal é de 13 horas). Em 2021, quebrou seu próprio recorde com um tempo de 07:27:53, estabelecendo um novo melhor mundial para o triatlo de longa distância. Quem vê o cara nas redes sociais parece que é fácil. Será mesmo?

Jan se aposentou do triatlo competitivo há pouco, mas continua vivendo com intensidade. Mergulhei na sua história para entender como a rotina de treinos e nutrição dele se comparava a outros atletas, porque quem olha de fora tem a impressão que sua vida é suave e linear, e às vezes atribuímos resultados extraordinários à sorte ou à genética (que não deixa de ser sorte). Não é o caso de Jan, e acho que não é o caso de ninguém que é foda no que faz. Triatletas profissionais treinam em média 30 horas por semana, Jan chega a treinar 45. Acompanhando um vídeo que mostra sua rotina, o clássico “day in the life”, me impressionou que seu dia começa às 5.30am na piscina, segue para uma corrida de 10Km ao ar livre, 65Km de bike pela estrada, treino de bike e fortalecimento indoor e, para finalizar o dia, treino de tiro de corrida ao anoitecer. Veja o que ele fala: “enquanto meus concorrentes estão sentados na mesa de jantar comendo, o fim do dia é meu horário favorito de treinar. Eu sei que estou me martelando, dando o meu melhor, indo até o limite”. Não é genética, não é sorte; é processo, disciplina, consistência, suor. É obsessão. A versão light desta mensagem, conforme dizemos na Faria Lima, é o clássico “there’s no free lunch“, ou “não existe almoço grátis”.

Jan Frodeno takes career-defining win at PTO US Open - Triathlon Magazine  Canada
Jan Frodeno em uma de suas últimas provas como triatleta profissional no PTO US Open em 2023

Para nós, mortais que mesmo que com muita vontade não poderíamos treinar 40 horas por semana porque treino não paga boletos, não é diferente. O desafio é encontrar o que te energiza de verdade para então dedicar as horas, disciplina e foco necessários para construir histórias e resultados excepcionais. Esqueça a narrativa de seguir sua paixão: as paixões mudam com a maturidade e à medida que vivemos e aprendemos, mas nossas fontes de energia tendem a se manter bem mais constantes. A maioria segue o status quo, percorrendo rotas já batidas daquilo que é considerado sucesso pela massa. Ao seguir aquilo que não conversa de verdade com o que lhe gera energia, as pessoas se conformam em navegar na mediocridade e param de questionar e buscar. A realidade é que quando entregar além da média se torna um fardo a conta não fecha; mesmo com insistência, não será um caminho sustentável. É a fonte do burnout e outras mazelas. Para a conta fechar, é preciso que o suor, e as vezes até as lágrimas, seja um combustível interno que deixa o motor mais forte e melhor. É preciso amar o processo — ou a jornada, como eu gosto de chamar.

E o equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Acho difícil ter uma vida consistentemente equilibrada. Às vezes o pêndulo pesa para o profissional, especialmente em momentos de grandes entregas e quando abraçamos projetos novos; em outros momentos, é necessário que dediquemos mais tempo ao pessoal. Nunca é 50:50. Obsessão e grandes entregas estão também relacionadas a foco, e não somente a horas investidas. Saber dizer não, eliminar os ruídos, cortar aquilo que não conversa com a história que está sendo escrita é prerrogativa para uma vida rica, com entregas profissionais fora da curva e a construção de uma família. Por isso é importante saber: que história está sendo criada? Em business, chamamos isso de estratégia, mas a pergunta é relevante a tudo e a todos.

Que história você está construindo?

Alex

É tão simples: gaste menos do que você ganha. Invista com inteligência. Evite pessoas tóxicas e atividades tóxicas. Tente continuar aprendendo durante toda a sua vida. E pratique muita gratificação adiada. Se você fizer todas essas coisas, é quase certo que terá sucesso. E se não fizer, você vai precisar de muita sorte. E você não quer precisar de muita sorte. Você quer entrar em um jogo onde é muito provável que você ganhe sem precisar de sorte incomum.

Charlie Munger

Jobs to be Done: entendendo a dor do usuário por uma nova ótica

Era fevereiro de 2013 e eu cursava o quarto e último semestre do meu MBA na Harvard Business School quando me deparei com a teoria que mudou minha forma de enxergar e trabalhar com desenvolvimento de produtos. Como parte do curso Building and Sustaining a Successful Enterprise (BSSE), o professor Clayton Christensen nos apresentou a Jobs to be Done, uma ferramenta que nos permite entender exatamente por que estamos “contratando” produtos e serviços. Dos mais de 500 cases e ferramentas de gestão estudados em 2 anos de curso, a Jobs to be Done me marcou profundamente e vale uma revisita a este legado do incrível professor Christensen.

A teoria Jobs to be Done foi desenvolvida inicialmente pelo professor Clayton Christensen da Harvard Business School e seus colegas Scott Cook e Taddy Hall. Christensen é um renomado autor e palestrante na área de inovação e é conhecido por seu trabalho sobre a teoria da inovação disruptiva.

A ideia de Jobs to be Done surgiu quando Christensen e seus colegas estavam estudando por que algumas empresas bem-sucedidas, como a Kodak, fracassaram ao tentar se adaptar às mudanças no mercado e a outras tecnologias emergentes. Eles descobriram que muitas empresas se concentram demais em características e benefícios de produtos e serviços existentes, em vez de se concentrarem nas necessidades fundamentais dos clientes.

A partir dessa pesquisa, Christensen e seus colegas começaram a desenvolver a framework Jobs to be Done, que se concentra em entender os “trabalhos” que os clientes estão tentando realizar em suas vidas e como as empresas podem atender a essas necessidades de forma mais assertiva. A teoria rapidamente ganhou popularidade em muitos setores, incluindo tecnologia, onde é amplamente utilizada para orientar a inovação e o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Importante destacar os aspectos funcionais e emocionais da Jobs to be Done. A dimensão funcional se concentra nas necessidades práticas dos clientes, enquanto a dimensão emocional se concentra nas necessidades mais profundas e subjetivas dos clientes, como suas motivações, sentimentos e desejos.

A dimensão funcional da Jobs to be Done envolve identificar os trabalhos específicos que os clientes estão tentando realizar e os obstáculos que enfrentam ao tentar concluir esses trabalhos. Isso pode incluir coisas como encontrar uma solução para um problema específico, cumprir uma obrigação ou tarefa, ou alcançar um objetivo específico.

Por outro lado, a dimensão emocional da Jobs to be Done envolve compreender as motivações, sentimentos e desejos subjacentes dos clientes. Isso pode incluir coisas como o desejo de se sentir seguro, confortável ou conectado a outras pessoas. Ao entender essas necessidades emocionais, as empresas podem criar soluções que atendam às necessidades profundas e subjetivas dos clientes, criando uma conexão emocional com eles e portanto aumentando sua defensibilidade perante a concorrência.

Para aplicar a ferramenta Jobs to be Done, as empresas precisam entender quais são os trabalhos específicos que seus clientes estão tentando realizar e como seus produtos e serviços podem ajudá-los a realizar esses trabalhos de forma mais eficiente ou eficaz. Isso envolve conversar com os clientes, observá-los usando os produtos e serviços existentes, e analisar os dados para entender o comportamento do cliente.

Por exemplo, o Airbnb entendeu que muitas pessoas procuravam acomodações autênticas e únicas que lhes permitissem vivenciar a cultura local durante suas viagens. Eles projetaram uma plataforma que conecta os viajantes com anfitriões locais que oferecem acomodações únicas e personalizadas em todo o mundo, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. O funcional é encontrar um lugar para dormir enquanto estiver viajando, o emocional é viver experiências surpreendentes e criar memórias únicas, o que poucos hotéis conseguem entregar.

Outro exemplo é a Dropbox, que entendeu que muitas pessoas procuravam uma forma segura e conveniente de acessar e compartilhar arquivos de qualquer lugar e dispositivo. Eles projetaram uma plataforma de armazenamento em nuvem que permite aos usuários sincronizar arquivos em todos os seus dispositivos e compartilhar arquivos facilmente com outras pessoas, atendendo ao trabalho específico que seus clientes estavam tentando realizar. Neste caso, o aspecto funcional é muito mais relevante do que o emocional, no entanto oferecer uma experiência fácil, simples e esteticamente elegante contribui para encantar o usuário no aspecto emocional.

Aqui no Brasil, gosto sempre de lembrar do exemplo do iFood, onde trabalhei como estrategista. No aspecto funcional, o óbvio é que o iFood é contratado para saciar a fome. Porém, e mais importante, descobrimos que (emocionalmente) o iFood é contratado para realizar o trabalho de permitir mais tempo ao usuário, evitando que ele tenha que sair de casa ou preparar alimentos em sua cozinha, o que resulta em mais tempo de qualidade em relacionamentos afetivos. O funcional é tipicamente mais fácil de ser substituído (ex. um lanche improvisado, uma ida a padaria da esquina, comida congelada), porém o emocional costuma trazer vantagens mais duradouras, especialmente se combinado a uma ótima experiência do usuário. Como saciar a fome e precisar de mais tempo de qualidade com pessoas queridas são necessidades recorrentes, temos aqui um modelo de negócios maravilhoso.

Para os interessados, vale a leitura dos artigos e livros do professor Christensen, especialmente o artigo “Know your customer’s Jobs to be Done” e o livro “The Innovators Dilemma“. Mais importante do que isso, reflita profundamente sobre o que você e sua empresa estão fazendo e responda: para qual trabalho estão sendo contratados?

Não sabe contar sua história? Então você não tem uma estratégia

A arte de articular seu passado, presente e futuro de forma coerente, ambiciosa e inspiradora é crítica para orientar o foco e energia no que, de fato, fará esta história se realizar. Desde sempre a raça humana conta histórias para dar sentido a sua existência, para explicar o inexplicável e organizar a complexidade do mundo e da vida de forma clara, interessante e, quase sempre, carregada de emoção. Como então usar o storytelling para amarrar a sua própria narrativa com autenticidade e desenhar uma estratégia pessoal projetando o melhor que você pode ser?

Como não lembrar das fábulas contadas quando criança, dos filmes que marcaram época, de novelas de sucesso ou de propagandas emocionantes? A dinâmica narrativa está no DNA da comunicação humana e, desde as primeiras pinturas rupestres, contar histórias tem sido um dos nossos métodos de comunicação mais importantes. Todos nos lembramos e gostamos de uma boa história, seja um romance, um livro ou simplesmente uma novidade que um amigo está nos contando. Pensamos em narrativas durante todo o dia e consciente ou inconscientemente formamos histórias para cada ação e conversa, sendo que 65% de nossas conversas são formadas por histórias.

Jonathan Gottschall, em seu livro The storytelling animal — how stories make us human, reforça a ideia da universalidade da presença das histórias na espécie humana. Segundo o autor, somos uma espécie completamente atrelada a um mundo cheio de contos, e não só durante a infância. E por que histórias são um objeto tão fascinante para a imaginação humana? Por que o formato de uma história, onde se desenrolam os acontecimentos, um após o outro têm um impacto tão profundo em nossa aprendizagem?

A resposta basicamente está no fato de estarmos ligados através das histórias. Histórias naturalmente educam, alertam e influenciam quem as ouve. Aquilo que nos é contado desde a infância torna-se parte do que somos como pessoas. Histórias engajam e geram emoções e conexões em níveis intangíveis que nem sempre conscientemente compreendemos. Histórias são capazes de gerar empatia. Cientificamente, não são apenas as partes de processamento de linguagem em nosso cérebro que são ativadas, mas toda a área de nosso cérebro, fazendo com que entremos em modo de atenção plena.

E é com este poder de alcance e influência, que o storytelling passa a ser uma ferramenta importante não só para negócios, mas para a definição de sua identidade pessoal e profissional. Por definição, storytelling é a arte de contar histórias e consiste em uma maneira de utilizar narrativas para compartilhar informações, conhecimentos e experiências. Empresas vêm utilizando esta ferramenta para vender serviços e produtos. Elas exploram emoções universais como o casamento ou nascimento de um filho e, ao contar histórias tão pessoais, íntimas e únicas (e igualmente tão comuns ao público), um diálogo singular é formado entre os produtos e serviços da marca e seus potenciais consumidores. No ambiente corporativo, o storytelling ajuda a conectar pessoas, alimentar a criatividade, inspirar, engajar e mobilizar equipes, aumentando a capacidade de um time de se apropriar dos objetivos estratégicos da empresa. A própria definição e comunicação destes objetivos estratégicos deve fazer parte de uma boa história: começamos com A, desenvolvemos B, aprendemos C e por isso nossa estratégia é crescer com D.

Da mesma forma, o uso da narrativa auxilia pessoas a ilustrarem sua trajetória e a construírem sua estratégia pessoal. Quem é você? O que você fez, faz e quer fazer? Quais os momentos mais definidores da sua história, aqueles que moldaram sua forma de entender o mundo e o seu papel nele? Levando em consideração toda a sua vivência pessoal e profissional, pontos fortes e fracos e aspirações, qual sua estratégia de carreira e de vida? Qual sua missão, onde você quer estar em cinco e dez anos e quais decisões e investimentos deve fazer agora para que isso aconteça? Ao descobrir e estruturar sua própria história, você passa a alcançar e se conectar a audiência de forma mais significativa e profunda. Uma boa história capta a atenção, relaciona eventos formando uma ideia completa e deixando uma impressão duradoura ao fim. Para tanto, o processo de estruturação de sua história deve iniciar com uma autorreflexão. É imprescindível que você tenha este momento de introspecção e percorra o seu passado, identificando seus pontos fortes e fracos e os momentos da sua vida que influenciaram o que você é hoje. O que te inspirou a buscar por esta carreira? Que evento determinou uma mudança de planos? Quais valores e princípios norteiam suas decisões?

Como ouvintes, gostamos de entender o porquê de alguém estar fazendo algo. Com uma história bem articulada, você supre a necessidade do elemento humano nas relações interpessoais de entender de onde você vem, o que determinou o que você é hoje, no que você acredita e no que você luta contra. Toda história deve ter um início que desperte o interesse, uma continuação que segure a atenção com elementos de suspense e questionamento e um fim que deixe uma percepção positiva. Sua história deve ser marcada por um desafio e uma escolha a ser feita, por suas ações e no que tudo isto resultou. Ao transmitir estes elementos e comunicar sua trajetória de uma maneira autêntica, você estabelece uma conexão emocional e ganha a confiança do seu público, facilitando o trabalho de persuasão e garantindo que sua identidade seja percebida de forma autêntica e marcante.

O storytelling é sobre encontrar formas de integrar história, valores e público em uma narrativa convincente e apaixonante. Você é o personagem da sua história e é hora de desenvolvê-la e comunicá-la de forma impactante e autêntica. Afinal, nós somos as histórias que contamos. E entãoqual história você contará aos seus netos?

Artigo originalmente escrito por Alex Anton e Francine Zucco e publicado na Harvard Business Review Brasil em 2016.